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"Don't Leave Me" x "Let Go": De palavras indecifráveis à sinceridade necessária de um adeus



Antes de mais nada, é fundamental situarmos essas duas músicas em meio à discografia do BTS. Tanto “Don’t Leave Me” como “Let Go” estão presentes no álbum japonês “Face Yourself”, lançado em abril de 2018, próximo a “Euphoria” - isto é, lançado entre “Love Yourself: Her 承” e “Love Yourself: Tear 轉”.


Como discutimos anteriormente aqui no Efeito, em “Love Yourself: Her 承”, o ponto central da narrativa está no desenvolvimento do amor. Podemos observar isso através de faixas como “Serendipity” (a intro), cuja letra expressa um amor que surge e se desenvolve não por acaso, mas porque estava destinado a acontecer, ou a faixa-título “DNA”, cuja letra retrata que esse amor encontrado e tudo quanto se relaciona a ele não é uma coincidência, mas sim uma expressão do próprio destino.


Como também já debatemos, junto ao caractere 轉, “Love Yourself: Tear” veio introduzir a essa jornada pelo amor um ponto de virada. Se em “Love Yourself: Her 承” debatemos o desenvolvimento do amor, em “Love Yourself: Tear 轉” o ponto central da narrativa está no conflito. Nas faixas do álbum, fomos levados a temas como identidade, solidão e autorreflexão. Assim, refletimos sobre a realidade do desenvolvimento e do despedaçar do que se acreditava que era o amor.


“Face Yourself” e as nossas duas músicas em destaque de hoje se localizam, no entanto, entre essas duas pontas. Sendo assim, o que elas buscam nos dizer e onde a sua mensagem se encaixa?


Para respondermos a essas perguntas, há mais um elemento importante: a história ou a sucessão de fatos que nos é contada nesse álbum japonês, com destaque para a sua intro e o seu outro - afinal de contas, as nossas duas faixas também estão situadas entre ambos.


Na intro desse álbum, chamada “Intro: Ringwanderung”, o grupo nos traz um título muito interessante. “Ringwanderung” é, na verdade, um termo em alemão que significa basicamente “andar em um mesmo local sem qualquer senso de direção” ou, em outras palavras, “andar em círculos”. Assim, nessa faixa que traz também lapsos da música “Best of me”, faixa do álbum anterior, o BTS segue a reflexão e coloca em destaque esse amor que começava a se revelar como um sonho, como uma ilusão na qual não seria possível nada além de andar em círculos.



“Outro: Crack”, com seu título - “Crack” ou “Rachadura” - e com versos repetidos e retirados da própria “Let Go”, anunciou que um conflito, um ponto de virada estava se aproximando à narrativa da era Love Yourself e que ele se expressaria por uma "rachadura na máscara", isto é, uma percepção inicial de que já não era mais possível seguir ocultando a si próprio em favor de um amor ou de um outro alguém. Em outras palavras, criou a lacuna ainda mais perfeita para que “Love Yourself: Tear” chegasse em breve.



Em vista disso, “Don’t Leave Me” e “Let Go” estão cuidadosamente posicionadas aqui - entre o desenvolvimento e o conflito, entre a percepção do andar em círculos e a rachadura da máscara talvez pela compreensão da necessidade de uma despedida. Partindo disso, vamos desmembrar parte a parte as mensagens dessas canções:




TRADUÇÃO COMPLETA DA LETRA:




“Don’t Leave Me”, além de fazer parte de “Face Yourself”, foi a trilha sonora principal do remake japonês do drama chamado “Signal”. Curiosamente, é o mesmo drama que em 2021 se tornou um filme japonês e teve como trilha sonora uma vez mais o BTS, com “Film Out”.


De maneira geral, “Don’t Leave Me” traz a mistura perfeita entre a percepção inicial de que se está andando em círculos nesse dito amor e, ao mesmo tempo, ainda um apego intenso ao que o desenvolvimento desse amor trouxe.


Como sempre dizemos, por estarmos aqui debatendo tópicos como confusão de sentimentos, percepções, despedidas, entre outros tangentes ao amor, podemos imaginá-los sob as mais diversas situações - desde um relacionamento amoroso a quaisquer outras formas de relacionamento.



Em qualquer relacionamento, independentemente da sua forma, um dos pontos mais complexos, porém fundamentais, é a comunicação - inclusive com nós mesmos.


A comunicação nos possibilita uma compreensão muito mais abrangente e sincera das características, sentimentos, vontades e necessidades de todos os lados envolvidos. No entanto, essa história não é tão simples, pois toda comunicação envolve significados e interpretações. Por exemplo, você se lembra de quando exploramos a era Love Yourself e debatemos o anagrama "SAVE ME "/ "I’M FINE"? São dois sentimentos completamente diferentes, mas expressos sob o que parecem ser as mesmas letras e palavras.


Sobretudo palavras nem sempre significam o que parecem significar, além do fato de que, por vezes, palavras - tanto positivas quanto negativas - são ditas no calor de um momento e situação, mas não possuem, de fato, uma profundidade no seu significado. Tome-se como exemplo o próprio “Eu te amo” ou “Eu estou bem”.


Assim, será que todas as pessoas envolvidas nesse relacionamento têm a mesma compreensão dessas palavras? Por isso, o termo “camadas” é o ponto-chave nesses versos. Quanto mais camadas há em algo, mais difícil é de atingir o seu centro, a sua essência, o que nos leva novamente à figura da máscara que tanto discutimos. Quanto mais camadas, menos sinceridade. Quanto mais aparências, menos há essência. Quanto menos diálogo, mais há a necessidade de se seguir “pegadas misteriosas”.



Nesses versos, assim como já havia acontecido em “Outro: Her” - faixa que encerrou “Love Yourself: Her”, podemos observar a percepção do eu lírico de que o amor e a máscara ou a “fachada” dele próprio e desse relacionamento começam a entrar em conflito.


Você já se questionou como uma sombra - literalmente falando - é formada? A explicação mais simples é que, toda vez que houver um objeto bloqueando o caminho da fonte de luz, surgirá uma sombra. A partir disso, pense na seguinte analogia:


O eu lírico, desde o desenvolvimento do que se acredita ser amor em “Love Yourself: Her” até este ponto enxerga nesse outro alguém uma fonte de luz, uma resposta para os seus problemas e solidão, um amor que é expressão do destino.


Contudo, desde “Outro: Her” ou “Intro: Ringwanderung”, o eu lírico começa a expressar esse certo incômodo. Esses questionamentos acerca de quais são os limites entre amar e se perder no amor - se é que é amor.


Há agora esse “objeto” no meio do caminho entre o eu lírico e a sua fonte de luz, de modo que, cada vez mais, se formam sombras e essas se veem encurraladas, sem saída. Por que? Porque o eu lírico se entregou de tal modo a esse relacionamento - seja ele qual for - que, para refletir a respeito do que poderia haver para além da luz, ou seja, para além desse alguém e desse relacionamento, ele apenas enxerga a possibilidade de encontrar respostas na própria pessoa ou com a própria pessoa.


Além de considerarmos as sombras em uma metáfora mais literal, podemos também pensar nesse termo sob um aspecto mais interno. As sombras, aquelas características, talvez, não tão “ideais”, não tão desejáveis ou agradáveis de si que, inevitavelmente, quebram a boba ilusão de um amor ou de um relacionamento perfeito.


Em “Outro: Her”, vimos, por exemplo, o eu lírico se comparando a uma estrela perdida que sabe apreciar apenas a escuridão porque é somente nela que pode deixar de lado o fardo de ter que esconder quem é. Porém, logo o tempo urge e é hora de vestir a máscara e de se segurar, de prender o que for necessário por trás da máscara a fim de ser o melhor para a pessoa amada.


Quanto mais esse alguém se torna a única fonte de luz que ele é capaz de enxergar, maiores são os empecilhos que surgem entre os dois e, consequentemente, a sua sombra é encurralada entre duas opções: se manter na escuridão ou abrir mão disso - o que, em “Don’t Leave Me”, vemos que o eu lírico já percebeu como inevitável, mas ainda não é capaz de aceitar. Prova disso são os versos “Antes que isso chegue ao fim / Eu quero saber tudo”.



Por acaso, você já se envolveu em alguma situação ou relacionamento no qual você sabia que eram necessárias certas atitudes, decisões ou pontos finais, mas, mesmo assim, sempre acabava ficando no “Em breve, eu resolvo” ou no “Vai se resolver com o tempo”?


Pois bem, é possível que todos nós já tenhamos vivido algo nesse sentido. Por isso, nesses versos, o eu lírico discute exatamente essa relação do tempo e das nossas noções de temporalidade com o fluxo desse relacionamento e a necessidade de decisões.


É verdade que, por vezes, o tempo é nosso melhor amigo - curando dores, fechando feridas e trazendo aprendizado com a superação. No entanto, o tempo pode ser também nosso pior inimigo e, ao mesmo tempo, um lembrete de que ele está passando e permanecemos inertes em contextos, situações e relacionamentos que precisam de um basta.


Quanto mais o tempo flui, quanto mais permite-se que ele passe sem qualquer movimento, mais se aprofunda o caos que debatemos na estrofe anterior. Mais as sombras são encurraladas. Mais se perde. Mais se anda em círculos, não chegando absolutamente a lugar nenhum.


Assim, o eu lírico reconhece que essa é a realidade do seu presente: Nada mais que estar entre o passado e o futuro desse alguém. Contudo, como dissemos, ele ainda não está pronto para deixar ir, para abrir mão desse círculo vicioso.


Com isso, chegamos ao refrão dessa música, que é mistura de súplica, angústia e confusão.



Não me deixe porque eu ainda acredito nisso. Em nós. E, independentemente de quão ruim sejam as circunstâncias para o eu lírico, ele ainda insiste que irá salvar esse alguém e esse relacionamento.


Observe a disparidade entre as palavras que ele usa para se referir a si e para se referir à outra pessoa.


“Eu começo a correr”. “Mesmo se eu for atingido pela chuva”. “Mesmo se eu for apagado pela escuridão”. Por outro lado, “Você é a batida do meu coração” e “Você não está sozinho(a)”. Essa é uma gangorra em desequilíbrio e está longe de ser uma relação saudável.



O relógio que deveria estar paralisado, isto é, o tempo que deveria se manter como amigo fixado no presente confortável que é a ilusão desse amor, está avançando de forma disparada e pressionando, chamando o eu lírico a mudanças, a seguir em frente, a despertar.


Podemos perceber essa sensação da pressa e da pressão, do futuro inevitável e do caos na própria voz do j-hope e no ritmo do seu rap nesse trecho.


Veja o que o eu lírico diz: “Mesmo assim, começa a corrida de mão única”. Você sabe, por exemplo, que uma rua ou pista de mão dupla se trata de uma via em que os veículos podem circular nos dois sentidos, certo? Já em uma via de mão única, há um único sentido a se dirigir. Uma única direção.


O nosso eu lírico compreende que estão caminhando para esse ponto: Uma corrida - que reafirma a sensação do tempo passando de forma acelerada - que, inevitavelmente, se transforma em mão única, pois, cada vez mais, esse relacionamento se aproxima de um fim. E, no fim das contas, tudo é parte do destino.


Além disso, podemos considerar a mão única como mais uma analogia para a comunicação, como início da faixa. Em qualquer relação, a comunicação deveria ser uma via de mão dupla, mas já não é a realidade aqui.



A comunicação em mão única se torna ainda mais nítida nesses versos. Em um apego insensato, ele aceita essa comunicação isolada e até mesmo a ausência dela. Por isso, o eu lírico insiste em dizer a outra pessoa: "Você não precisa se preocupar com nada".


Em seguida, ele destaca que, independentemente desse contexto, irá enviar e entregar os pensamentos desse outro alguém. Que construção de sentidos complexa, não é? O que o eu lírico quis dizer é que, mesmo na indisposição da outra pessoa em se comunicar, ele - nessa atitude de desespero - seguiria fazendo isso por conta própria, tanto por ele como pela pessoa amada, afinal de contas, com a convivência de um relacionamento, aprendemos a acreditar que sabemos tudo acerca do que o outro pensa ou precisa, o que nem sempre é bem assim.


Em outras palavras, de certa forma, nessa descrição complexa do eu lírico é como se houvesse nele o desejo de seguir carregando toda essa relação sozinho, o que é pesado e que não devia ser responsabilidade de apenas um dos lados, especialmente sob a percepção de que não há volta.


Mas, novamente, ele não estava pronto para deixar ir.



É absolutamente natural que, ao percebermos que o fim de algo a que somos apegados ou talvez dependentes se aproxima - seja um relacionamento, um vício ou a própria vida, nos vejamos diante dos fatídicos arrependimentos. Por que isso foi assim? Por que não fiz isso? Por que fiz isso?


Quanto mais somos consumidos por arrependimentos e expectativas frustradas, mais parece recair sobre nós o desejo de poder ter feito algumas coisas de modo diferente. Porém, seria a melhor solução?


Aqui, o eu lírico se vê nesse entrave. Esse amor que antes era enxergado na sua máxima idealização, agora começa a se craquelar, a se revelar nas suas desilusões. Diante da quebra do “ideal”, os arrependimentos vêm sobre ele e ele deseja poder retornar ao início dessa história e, talvez, recomeçar sob outras circunstâncias ou ações.


No entanto, há dois problemas: Um, isso não é possível. E dois, isso não é suficiente. Permanecer no desejo de retornar e fazer as coisas de forma diferente nada mais é do que permanecer andando em círculos em ideais que já não podem ser alcançados.


Prova disso é o verso “Mesmo assim, você, que está entre a sombra e a luz, chora”. A própria pessoa amada, antes tão idealizada, agora é descrita como alguém que está entre a sombra e a luz e que chora. Você se lembra da nossa explicação acerca da sombra? A ilusão de que a fonte de luz fosse esse amor e essa pessoa como expressões únicas do destino começa a fazer. Além disso, fica nítido que a outra pessoa envolvida também já não está mais feliz nesse relacionamento.


Como discutimos algumas vezes em meio às nossas análises de Love Yourself: O que começou errado, tende a terminar errado. A mão única rumo ao fim, sob a forma como esse relacionamento se construiu, era inevitável.



Você conhece aquele velho ditado que diz que “Tudo que é bom, dura pouco”, não é mesmo? Essa proposta parece ser semelhante à sensação que o eu lírico expressa aqui. A sensação de que, com o iminente ponto final desse relacionamento, dessa idealização do amor, tudo retorna ao passado no sentido de que, uma vez mais, será apenas ele.


Ele afirma que aprendeu a valorizar o presente exatamente porque, por ter encontrado e compartilhado todas essas experiências com esse alguém, compreendeu que o agora deve ser vivido e apreciado intensamente - pois, amanhã essa pode não ser mais a realidade.


Assim, o eu lírico que havia se entregado de corpo, alma e coração; que havia permitido que esse contexto moldasse a sua identidade; que havia preenchido vazios pessoais não com respostas, mas com mais perguntas em disfarce se vê diante desse amanhã próximo com um retorno a uma condição inicial: Ele.


“Eu ganhei você? Ou eu me perdi?”: É o que questionaríamos logo mais na era Love Yourself.


Por fim, “Don’t Leave Me” se encerra novamente com o refrão da música, em todos os seus tons de súplica, angústia e, ainda assim, apego a aquilo que o eu lírico ainda não deseja deixar ir.



 



TRADUÇÃO COMPLETA DA LETRA:





“Let Go” tem início com o que parece ser quase uma conversa interna do eu lírico com ele próprio. Ele diz para si que, antes da enfim despedida, ele deve deixar ir - ou deve “let go”, o que é o título dessa canção.

A tradução literal ‐ “Deixar ir” ou “Deixar partir” - em português pode soar um pouco simples, mas, em inglês, essa expressão possui sentidos e conotações bastante intensas. “To let go” carrega um sentido de se desconectar processualmente - seus pensamentos e sentimentos - de algo ou alguém. Um sentido de deixar para trás certas cargas emocionais que não eram mais saudáveis e devem ser superadas. De dar abertura à alguma forma de liberdade após uma determinada experiência. Percebe a profundidade do que estamos discutindo?


Talvez, a expressão mais próxima que temos a todos esses sentidos seja, de fato, o "abrir mão". Abrir mão de algo ou alguém que você segurava e desfrutava de forma tão íntima e próxima - como segurar algo com as mãos mesmo. Porém, ao abrir-se a mão, nós deixamos que aquilo caia ou parta. Abrir mão é diretamente desconectar de si.

Assim, o nosso eu lírico afirma categoricamente para si mesmo que deve “let go” (“deixar ir”), mas, ainda assim, como era de se esperar, ele se sente confuso e perdido a respeito de como fazer isso.



Esses dois versos trazem uma metáfora muito, mas muito brilhante! O sistema monofônico (mono) e o sistema estereofônico (stereo) são dois modelos de reprodução de som completamente diferentes um do outro.


Você provavelmente já deve ter lido essas palavras na descrição de algum produto como um celular ou uma própria caixa de som. Porém, de forma bem simples, o mono apresenta apenas um canal de gravação e reprodução do som, enquanto o stereo possui dois.


São termos técnicos, mas o que queremos dizer é que “De stereo para mono” foi uma metáfora utilizada para expressar que dois se tornam um. “De dois para um”. Contudo, não se tornam um juntos. Pelo contrário, é na bifurcação do caminho, na separação que cada qual volta a se tornar um - como o retorno ao passado que mencionamos em meio à letra de “Don’t Leave Me”.



Daqui em diante, o que a letra de “Let Go” nos revela é uma reflexão, finalmente, sincera do eu lírico acerca da situação. Uma reflexão sincera que inaugura o seu processo doloroso, confuso, complexo, mas necessário de “deixar ir”. Por isso, ele diz: Se está destinado a chegar a um fim, então essa é a minha última carta.

Há certas coisas, pessoas, sensações ou experiências que são difíceis, quase impossíveis de se expressar em palavras, não é mesmo? Se você, assim como uma das nossas adms, possui um diário, talvez já tenha tentado escrever sobre um acontecimento, mas não encontrava as palavras. Apagava e reescrevia, apagava e reescrevia… Em “Let Go”, o eu lírico tenta fazer o mesmo: O famoso “colocar para fora”. Por isso, ele afirma que segue escrevendo e apagando - pois essa imensidão de sentimentos envolvidos, que devem ser deixados para trás, são difíceis de descrever.



Nesses versos, há um senso de aceitação. Algumas coisas são o que são. Para tanto, RM desenvolve aqui uma metáfora muito interessante tendo como objeto de comparação o lego. Sim, aquele brinquedo que todos nós conhecemos bem!

Vamos supor a seguinte situação: Nós nos juntamos para brincar de lego. Antes de darmos início à brincadeira, separamos todas as peças que temos por cores, por tamanho, cada uma em um lugar específico. Enquanto brincamos com o lego, vamos juntando as diversas peças até construirmos uma determinada forma. Depois, ao finalizarmos, desmontamos o produto final de volta para as peças iniciais. Porém, será que conseguiríamos distinguir novamente cada pequena peça da mesma maneira que fizemos antes? Saber exatamente qual peça estava organizada em qual lugar? É claro que não.

Essa é a metáfora aqui. Nesse relacionamento e em todos os sentimentos que viemos debatendo, o eu lírico “montou” sobre si muitas, muitas peças. E agora, no processo de “deixar ir”, é hora de desconstruí-los, de desfazer esse lego. Infelizmente ou felizmente, ele reconhece que não poderá retornar ao seu “eu” original, afinal de contas ele obviamente viveu tudo aquilo. As experiências que vivemos deixam marcas em nós. Pessoas e sentimentos deixam marcas em nós que, eventualmente, se tornam aprendizado e amadurecimento. No entanto, no momento, o que importa ao eu lírico é a aceitação de que é o que é: Ele precisa “deixar ir”. Assim, ele diz a si mesmo: “Então, que seja, não chore / Eu vou deixar você ir e voar”.



Quando estamos tentando nos esquecer ou tirar o foco de algo ou alguém, a tendência é que tentemos fazer outras coisas que nos distraiam, não é verdade? Talvez, atividades que nos agradem. Ou, talvez, trabalhemos mais para preencher a nossa agenda e o nosso tempo.

Contudo, ainda mais quando falamos sobre algo recente, feridas recentes, separações recentes, isso se torna fatigante e é complicadíssimo conseguirmos afastar os nossos pensamentos. Como o eu lírico pontua, são coisas que parecem permanecer na nossa mente como uma tatuagem - uma marca constante e invariável.



Se em “Don’t Leave Me” o eu lírico disse “Nós poderíamos ter um novo começo se o tempo pudesse voltar atrás”, aqui ele finalmente coloca os pés no chão ao compreender que “Nós não podemos voltar no tempo”. Caso fosse possível retornar aos dias da doce ilusão de um amor simplesmente idealizado, ele ainda chamaria pelo nome desse alguém. Porém, não é possível.

Diante da aceitação dessa impossibilidade e dessa reflexão sincera, temos aqui um ponto muito interessante! O eu lírico diz: “Eu aceito a sua culpa” e, consequentemente, “Realmente, é hora de dizer adeus”.


Você se lembra como, na letra de “Don’t Leave Me” e outras canções, o eu lírico constantemente se pautava sob condições duríssimas, como se apenas ele tivesse que “correr” por esse relacionamento, como se a comunicação pudesse funcionar em mão única com todo o peso sobre ele ou ainda como se fosse apenas dele a responsabilidade de salvar essa relação?


Aqui, no entanto, ele reconhece que a outra pessoa também possui a sua parcela de culpa nessa história - afinal, todo relacionamento envolve, ao menos, duas pessoas. Ambas possuem responsabilidade sobre o que se constrói. Esse reconhecimento parece ajudar no processo de “deixar ir”, tendo em vista que o eu lírico finaliza esses versos expressando que, de fato, é hora de dizer adeus.



Chegamos ao refrão de “Let Go”, o qual é também o mesmo trecho que deu início à música. Porém, aos seis versos iniciais, são adicionados mais sete que demonstram a nós uma mudança de atitude marcante no eu lírico.

Esses versos seguintes que compõem o refrão expressam quase uma epifania de que, embora tenham se separado pelo caminho ou tenham se transformado de stereo para mono, ainda há um caminho! A vida segue em frente e encontra os seus meios de continuar. Partindo disso, ele finalmente começa a compreender que é capaz sim de soltar a mão desse alguém. Que é capaz sim de “deixar ir” e dizer a essa pessoa que é hora de “deixar ir”.

Fala a verdade: Dizer adeus nunca foi fácil e jamais será - independentemente se estamos falando de uma pessoa, um lugar, até mesmo um emprego, qualquer coisa que seja preciosa para nós. No entanto, fugir não nos leva a lugar algum. Fugir nos mantém andando em círculos, como estávamos em “Intro: Ringwanderung” e “Don’t Leave Me”.

Enfim, após tantos altos e baixos nessa história que é contada através das músicas, o eu lírico que antes suplicava dolorosamente “Não me deixe”, agora respira profundamente e diz: “Eu estou pronto para deixar ir”.



Nesses versos do j-hope, o eu lírico prossegue nas suas assimilações a respeito de seguir em frente, embora seja difícil não pensar no outro alguém e em como a vida, nessa nova configuração, chega a parecer irreal.

Porém, há nesses versos mais uma metáfora fascinante ao ouvirmos o eu lírico dizer que “o fio vermelho que, sendo tão entrelaçado, se tornou emaranhado”. Você conhece a lenda do fio vermelho do destino? A lenda do fio vermelho é um mito popular de origem chinesa, mas muito difundido em outros países orientais como no Japão, onde é conhecido como “Unmei no Akai ito”. A tradição ligada a esta lenda afirma que todas as pessoas, desde o nascimento, possuem simbolicamente amarrado ao dedo mindinho da mão esquerda um fio vermelho que é conectado ao fio do seu companheiro de alma. É um fio simbólico, significativo e indestrutível, como representação do destino de que, no futuro, essas pessoas se encontrarão e viverão juntas uma história.


j-hope resgata em seus versos essa lenda do fio vermelho do destino em uma referência a aquilo que o eu lírico descreveu no passado: Que essa pessoa, esse amor eram uma expressão do próprio destino. Simplesmente era para ser. Talvez, de fato, fosse para ser. Porém, esse destino e esse amor que pareciam entrelaçados se tornaram, na verdade, uma grande bagunça de nós e pontas soltas. Um já não era mais capaz de alcançar o outro. Um mindinho já sequer conseguia se conectar ao outro. Sendo assim, a melhor decisão é seguir caminhos diferentes e o eu lírico é quem toma essa atitude ao dizer adeus.



O eu lírico que antes, em “Don’t Leave Me”, expressava o seu desejo de retornar ao passado e, talvez, anular arrependimentos, agora volta os seus olhos de modo muito diferente para o futuro!

Esses versos não são necessariamente uma afirmação de que, futuramente, essas duas pessoas voltariam a estar juntas em um relacionamento. Pelo contrário, são uma reafirmação de que a melhor decisão no presente é que cada um siga em frente trilhando o seu caminho e, caso futuramente haja um reencontro, que esse novo encontro ou novo começo seja baseada em um sorriso, na leveza da certeza de que a decisão mais saudável e madura foi tomada quando tinha de ser tomada.



Esses versos que nos conduzem ao trecho final da música nos trazem um lembrete muito importante: A importância das memórias. A princípio, quando estamos lidando com o “deixar ir”, pode ser difícil conseguirmos considerar algumas memórias e lembranças como preciosas ou como parte do nosso caminho anteriormente. Dizer adeus a algo ou alguém não implica necessariamente em apagar tudo quanto vivemos. Vivemos essas experiências e momentos, isso é fato.

Dessa maneira, eventualmente, a medida em que torna-se mais fácil processar o “deixar ir” e seguir em frente, podemos resgatar e manter conosco essas memórias preciosas de momentos, características, sensações que foram especiais para nós. Desde algo pequenino e simples como a cor de um pôr-do-sol que foi observado a dois até a algo grandioso como uma grande demonstração de afeto que tenha acontecido pela primeira vez.

“Não os esqueça” porque você não precisa fazer isso. Porém, continue caminhando e, se necessário, ressignifique essas memórias.



Por fim, como na maioria das canções, “Let Go” é encerrada no seu refrão, reiterando aquilo que tanto custou ao eu lírico para compreender e definir: Basta de fugas e, enfim, podemos chegar à sinceridade necessária de um adeus.




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