*Lembrete: Essa breve análise pode conter menções a conteúdos sensíveis como morte, suicídio, transtornos mentais, etc. Então, pedimos que, por favor, você se atente a isso, caro ARMY leitor!
Observe como o Highlight Reel 起承轉結 ou, como podemos dizer, o Highlight Reel final da era Love Yourself traz em si não apenas o caractere 結 (que nos remete à conclusão, à resposta), mas sim todos os caracteres chineses da estrutura da narrativa. Qual poderia ser a explicação por trás disso?
Primeiramente, como apresentamos ontem, Love Yourself: Answer em questão é um repackage album, ou seja, um álbum que reúne diversas faixas dos álbuns anteriores da era e que traz ainda faixas inéditas. Agora, perceba como esse Highlight Reel - que é também o último da era - possui o mesmo movimento. São cerca de 13 minutos de vídeo, porém os 11 minutos iniciais nada mais são do que literalmente os três Highlight Reels anteriores que já havíamos discutido. Dali em diante, sim, apenas nos 2 minutos finais do vídeo, é apresentada a nós uma nova parte a esse Highlight Reel final. Ou seja, assim como o último álbum da era, o último Highlight Reel também reúne trechos anteriores e apresenta inéditos.
Além disso, podemos compreender o uso dos quatro caracteres também como uma expressão da importância de todas as experiências e processos que debatemos por meio dos álbuns e Highlight Reels anteriores. Na soma deles, sejam nos aspectos bons ou ruins, fomos conduzidos por uma narrativa muito nítida que nos permite também a reflexão sobre experiências pessoais ou coletivas que se relacionem aos temas em destaque - paixão, descoberta do amor, ilusão, decepção, despertar da consciência, amadurecimento e, agora, finalmente, o amor próprio. Como dissemos, são processos. Processos com os quais podemos e devemos aprender. E a arte, em toda a sua capacidade e efeito catártico, possui um caráter pedagógico que nos leva a reflexões necessárias e transformadoras.
A partir disso, vamos dar uma olhada no que se passa nos 2 minutos finais desse Highlight Reel - logo após a cena em que vimos a garota ser atropelada diante do SeokJin?
Como de costume, temos uma narração do SeokJin. O trecho inicial dela nos diz:
“Se pudéssemos voltar no tempo, para onde deveríamos retornar? Uma vez que chegarmos a esse lugar, será que todos os nossos erros e equívocos podem ser desfeitos? A felicidade será nossa para ficar?”
Junto a essas palavras do personagem, podemos assistir uma sequência de cenas relativas ao BTS Universe e às suas mais diversas desgraças e momentos de dificuldade, porém como se estivessem sendo rebobinadas. Como se o passado estivesse sendo modificado - o que é, de fato, o grande objetivo do personagem do SeokJin até então: ele anseia mais do que tudo voltar ao passado, mudar o que for necessário e mover as peças para salvar os seus amigos.
Vemos ali, por exemplo:
⚫️ TaeHyung não saltando do observatório na praia;
⚫️ JungKook não sendo atropelado;
⚫️ TaeHyung não atacando e matando o seu pai;
⚫️ SeokJin não chorando, nem dispondo os lírios no chão do seu quarto - momento que nos indicava mais uma volta no tempo;
⚫️ JiMin não caindo na banheira, nem a água se esvaindo dela - objetos e movimentos que nos remetem tanto ao transtorno mental enfrentado pelo personagem quanto à tentativa de suicídio;
⚫️ YoonGi não quebrando o espelho, ou seja, não havendo uma briga entre YoonGi e JungKook;
⚫️ TaeHyung e SeokJin não brigando no período em que estavam na praia;
⚫️ HoSeok não tomando os medicamentos dos quais não precisa;
⚫️ JungKook não sendo espancado por garotos mal-encarados na rua porque quis;
⚫️ YoonGi não incendiando o seu quarto no motel;
⚫️ NamJoon não partindo para a briga após um cliente mal-educado jogar algumas notas de dinheiro na sua direção;
⚫️ HoSeok não tendo um colapso e desmaiando completamente na ponte;
⚫️ E uma cena final em que TaeHyung não cai em direção à água, o que pode tanto nos indicar a possível morte do personagem em afogamento como também a sua habilidade de também enxergar tudo quanto se dava com seus amigos por meio dos seus sonhos.
Se SeokJin voltasse no tempo e lidasse com todas essas adversidades, tudo isso, de fato, poderia ser desfeito? O que ele mais desejava - ver todos bem e seguros como condição para a sua satisfação e felicidade - era algo, de fato, alcançável?
Veja o que o personagem se questiona nesse primeiro trecho da narração que ouvimos: A felicidade poderia vir para ficar, enfim?
Em seguida, somos levados novamente a 30 de agosto do ano 22, assim como no Highlight Reel 轉, data na qual SeokJin tinha um encontro com a garota e pretendia declarar todo o seu amor.
Agora, vemos SeokJin mais uma vez no seu quarto diante do espelho, porém há algo diferente. Isso se torna explícito assim que SeokJin segura o vaso que estava prestes a tombar sobre a mesa. Você se lembra que, no Highlight Reel 轉, esse vaso aparecia caído sobre a mesinha ao lado do espelho? Pois bem, é porque naquele vídeo assistimos a primeira vez em que SeokJin viveu o dia 30 de agosto do ano 22.
No entanto, aqui não. Nesse Highlight Reel, ou melhor, nesse 30 de agosto, SeokJin sabia que o vaso ia cair e sabia exatamente o momento em que o vaso ia cair. Assim, esse pequeno detalhe reiterou de forma imagética a ideia de que SeokJin, nessa cena do Highlight Reel final, já havia vivido aquele momento incontáveis vezes e sabia exatamente cada passo do que acontecia.
Por isso, na nossa análise da semana passada, afirmamos que a data de 30 de agosto, pela morte da garota no atropelamento, era tão fundamental ao BU quanto a data de 11 de abril do ano 22 - data para a qual SeokJin sempre retorna em uma nova volta no tempo.
Como dissemos, o personagem finalmente achou que tinha “desfeito todos os erros e equívocos”. Finalmente tinha conseguido evitar todos os problemas que destruíam a vida dos seus amigos e, consequentemente, a sua. Porém, nem tudo pode ser colocado sob o nosso controle. E prova disso é que, quando SeokJin pensou ter resolvido tudo, a garota que ele amava morre tragicamente diante dos seus olhos, como vimos.
Assim, é claro que SeokJin, seguindo a sua mesma estratégia de ciclo vicioso, tentaria também salvar a garota e evitar a sua morte. Não há como deduzirmos exatamente de quantos retornos estamos falando, porém, pelas notas HYYH, torna-se perceptível que leva um bom tempo até que SeokJin compreenda que a melhor maneira de evitar que algo ruim aconteça com a garota, ao menos naquela situação específica, é não estando com ela. É não se envolvendo com ela. É dizendo a ela a verdade e devolvendo a ela o seu diário - o que, para o personagem, não deixa de ser doloroso, tendo em vista os seus sentimentos.
Por isso, se no Highlight Reel anterior tínhamos um SeokJin alegre, confiante, ansioso diante do espelho, dessa vez temos o completo oposto. Veja a expressão do personagem. Ele transparece cansaço, frustração, tristeza.
E queremos pontuar um detalhe muito interessante que poucos percebem: o boné que SeokJin coloca na sua cabeça. Logo à frente no boné, há algo escrito, que é: “differentbutsame”.
Separando as palavras corretamente e as traduzindo do inglês, nós encontramos “diferente, mas o mesmo”. Ou seja, junto à narração do personagem e a todos esses eventos que temos aqui, SeokJin volta no tempo e há a sensação de que, a cada vez, se vive algo diferente, buscando uma nova estratégia que faça com que as coisas funcionem. Contudo, por mais que essa seja a sensação, ainda é o mesmo. Ainda se trata do SeokJin andando em círculos e buscando desfazer coisas que nem sempre podem ser desfeitas.
É também por isso que, agora, podemos ver sobre a cadeira ao lado do espelho o que parecem ser diversas peças de roupa - como se fossem camisas, camisetas, moletons que o personagem vestiu ou provou a cada vez que viveu essa data de 30 de agosto do ano 22 e, portanto, nos indicam que, de fato, SeokJin buscou repetir e modificar os acontecimentos desse dia várias vezes.
Volta à tona, então, a narração do SeokJin em um trecho final que nos diz:
“Embora muitas estações se passem, há lugares que não podem ser alcançados. Mais uma tempestade a ser enfrentada e resistida de cabeça erguida. Amar sem medo. Hesitar e partir. Apenas vivendo como a pessoa que eu sou.”
Enquanto SeokJin pronuncia essas palavras finais, vemos em destaque na tela apenas a praia, cenário tão marcante desde a era HYYH justamente por simbolizar um espaço no qual os sete amigos se uniam e reuniam. Era um espaço de reconciliação, memórias, recomeços e felicidade.
Todos esses fatores e questionamentos que se desenrolam a partir desse Highlight Reel 起承轉結 nos trouxeram à memória um filósofo que é muito bem conhecido pelo BTS: Friedrich Nietzsche - autor que já apareceu, por exemplo, em uma citação no MV de “Blood, Sweat & Tears”.
Em um de seus livros de título “A Gaia Ciência”, Nietzsche escreveu:
“E se em um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e sequência. [...] A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira! [...] como terias de ficar de bem contigo mesmo e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?”
A citação acima gira em torno da noção filosófica de Nietzsche sobre o Eterno Retorno. De acordo com o filósofo, o único propósito que um ser humano deveria ter na vida é o de ser feliz. E, para ser feliz, uma pessoa deve aprender a se amar e, sobretudo, a amar o seu destino - compreendendo o destino como todas as coisas que acontecem conosco fora do nosso controle.
Como podemos chegar a isso? Escolhendo ser exatamente quem somos e amando o nosso destino porque ele nos fez ser quem somos, seja isso em um aspecto bom ou ruim.
É similar a quando amamos um outro alguém. Também aprendemos a amar as faltas ou “falhas” dessa outra pessoa e não o/a trocaríamos por nada nesse mundo, porque, se assim o fizermos, a pessoa que amamos não seria mais ele ou ela.
Nós deveríamos proceder da mesma forma em relação a nós mesmos e, consequentemente, ao destino que nos tornou quem somos. Essa é uma proposta que Nietzsche expressou através dos termos “Amor Fati”, que significa “Amor ao destino” ou “Ame o seu destino”.
No entanto, como tudo isso se conecta ao Eterno Retorno e às reflexões que vimos a partir do personagem do SeokJin?
O intuito do filósofo aqui não é provar que somos destinados a viver uma mesma vida por toda a eternidade. O que Nietzsche propõe, na verdade, é uma espécie de teste: Nós podemos entender que realmente nos amamos e amamos o nosso destino quando, para a questão “Se você pudesse voltar no tempo, o que você mudaria?”, nós respondermos: NADA.
Esse tipo de atitude e posicionamento significa que, caso fosse necessário, ficaríamos felizes em viver a mesma vida de novo e de novo pela eternidade. Que não mudaríamos nada, pois amamos a vida como ela é.
O indivíduo que consegue atingir tal compreensão e atitude é chamado por Nietzsche de “Übermensch”, ou seja, um super-homem, ou melhor dizendo, um super-humano.
Escolher estar onde estamos e amar o nosso destino, assim, nos levaria a conseguirmos nos sentir felizes mesmo nos piores momentos. Isso porque a felicidade da qual experimentamos ou que buscamos alcançar geralmente depende de algo externo a nós e, consequentemente, traz o medo da sua perda, de perdermos o que é a expressão da nossa felicidade.
Por exemplo, se acreditamos ser felizes por causa de uma outra pessoa, se depositamos toda a nossa felicidade nele ou nela - como SeokJin faz tanto em relação aos seus amigos como em relação à garota, esse relacionamento poderia se desfazer e a felicidade estaria perdida.
Portanto, nós devemos encontrar felicidade, primeiramente, em nós mesmos. Amar a nós mesmos e a nossa vida como um primeiro passo fundamental. Dessa maneira, a felicidade não é algo que deve ser alcançado ou perseguido, mas é um próprio estado de ser que ganha sentido no tempo presente, aqui e agora, em nós.
Essa é uma reflexão que o personagem do SeokJin e o próprio BTS começam a solidificar nesse Highlight Reel e que ganhará a sua máxima expressão em “Epiphany”, “IDOL” e outros conteúdos que encerraram essa era brilhante e deixaram as portas abertas para que Map of the Soul também se aprochegasse.
Enfim, amar sem medo - nós mesmos, os outros, a infinita beleza da própria existência. Apenas vivendo como as pessoas que somos.
*Caso queira conhecer as análises dos Highlight Reels anteriores, basta acessá-los aqui:
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