*Tradução livre a partir de artigo original publicado em 13 de setembro de 2021. Caso deseje visualizá-lo, acesse: https://magazine.weverse.io/article/view?lang=en&num=238
Da Linguagem Internacional de Sinais em “Permission to Dance” a um mundo livre de barreiras:
Um olhar mais atento às barreiras
na cultura pop
"Eu senti que a distância entre o BTS e eu diminuiu”, disse a YouTuber Hamonthly, explicando o que a utilização da Linguagem Internacional de Sinais (IS) na coreografia de “Permission to Dance” do BTS significa para ela. Hamonthly, que se identifica como surda e compartilha conteúdos relacionado à sua vida e perda auditiva no seu canal homônimo no YouTube, postou um vídeo de reação a “Permission to Dance” em julho – pois a coreografia do videoclipe, como é amplamente conhecida, apresenta três sinais da Linguagem Internacional de Sinais: "diversão", "dança" e "paz".
De acordo com Son Sung Deuk, líder da equipe de direção de performance da BIGHIT MUSIC, a Linguagem de Sinais apresentada na coreografia foi “planejada com a intenção de ter uma performance que todos pudessem acompanhar sem dificuldade – o resultado da expansão do escopo de que 'todos' seja o mais amplo possível.”
"Do ponto de vista de um usuário de linguagem de sinais, a linguagem de sinais é a sua primeira língua”, disse Hamonthly, explicando como a Linguagem de Sinais tornou possível o estreitamento dessa lacuna. Para usuários da linguagem de sinais, ela disse: “O coreano é essencialmente uma língua estrangeira”, então é semelhante à maneira como damos as boas-vindas ao encontrarmos um usuário do mesmo idioma em um país diferente. Como se costuma dizer, para os surdos, a língua de sinais é a sua primeira língua. De acordo com a Lei de Língua de Sinais Coreana, aprovada em 2016, a KSL é uma língua oficial em pé de igualdade com o coreano em si. Os dois idiomas têm seus próprios sistemas gramaticais exclusivos e usam ordens de palavras diferentes.
A Linguagem Internacional de Sinais, por sua vez, apresenta um meio para pessoas surdas que usam línguas de sinais de diferentes países se comunicarem entre si e, como não existe um sistema firmemente estabelecido como há com a KSL ou a língua de sinais americana, está sujeito a alterações dependendo da região e de seus usuários. Como tal, sua definição exata permanece em debate. Isso significava que "havia dificuldades porque a sinalização internacional não é oficialmente regulamentada", explicou Son, acrescentando que eles "fizeram avaliações com foco em se o significado estava sendo transmitido com precisão para indivíduos surdos".
Toda pessoa pensa e estabelece sua identidade por meio da linguagem. Ao contrário das pessoas que podem ouvir, os surdos devem “ver” a sua linguagem e, portanto, a linguagem de sinais faz parte de quem eles são.
De acordo com Jung Heechan, diretor executivo da Associação Coreana de Surdos, “a Linguagem Internacional de Sinais é composta por meio de sinais que têm um significado compatível entre si”. Ele chamou a comunicação que seus usuários geram entre si de "o núcleo da Linguagem Internacional de Sinais", acrescentando: “A cultura surda possui sua própria identidade e pensamentos únicos”. Hamonthly sente o mesmo: “A língua de sinais coreana me deu uma resposta à pergunta: 'Quem sou eu?'”. Ela destacou como é um desenvolvimento positivo a linguagem de sinais ter sido incorporada à parte “da na na na” de “Permission to dance", tendo em vista que a KSL é seu próprio idioma e não um substituto para o coreano. Era algo que ela poderia desfrutar que não estava diretamente ligado à música, porque "sons e batidas são importantes na música, mas não são algo de que eu preciso". Ela também enfatizou como adaptar ou copiar a letra, que foi composta especificamente para a música, para a linguagem de sinais diretamente mudaria a linguagem de sinais ou o significado original da linguagem de sinais.
Jung disse que compreendeu "que as pessoas ficaram interessadas em linguagem de sinais" depois que a Linguagem Internacional de Sinais fez uma aparição em "Permission to Dance". Para Hamonthly, ela está "feliz com o interesse na Linguagem Internacional de Sinais", mas ao mesmo tempo ela enfatizou a importância de ser uma oportunidade de "estender" esse interesse "à vida dos surdos". Em outras palavras, o público em geral também precisa pensar sobre como surdos e outras pessoas com deficiência podem desfrutar de coisas como shows, encontros com fãs, transmissões ao vivo e muito mais, sem barreiras de acessibilidade. Ela apontou o processo pelo qual os surdos passam para assistir a um show como um exemplo ilustrativo dessas barreiras: Depois de comprar um ingresso, “você tem que ligar para o departamento competente para ver se é possível receber interpretação em linguagem de sinais, interpretação em mensagem de texto ou taquigrafia, mas se uma pessoa surda precisar fazer uma chamada", ela terá que "usar um serviço de retransmissão de telecomunicações". Mesmo depois de conectados, eles às vezes recebem respostas rudes, como ter o seu pedido de intérprete rejeitado imediatamente. Quando isso acontece, eles podem até lutar por seus direitos enviando documentos por meio de uma organização. Hamonthly disse que há muitos surdos "que se sentem exaustos, mas não desistem de tentar ver alguém de quem gostam".
Da mesma forma, ainda há muito a ser feito sobre os problemas de acessibilidade cultural na Coreia. Com certeza, cada vez mais esforços estão sendo feitos para aplicar o conceito de "livre de barreiras" fisicamente e na política em consideração à acessibilidade para deficientes e idosos. A legenda em coreano é um exemplo de serviço livre de barreiras que é bem conhecido por pessoas sem deficiência e começou a ser oferecido em vários serviços de mídia, começando com a introdução da Netflix no país. Nas legendas, os detalhes sobre os falantes e outros detalhes auditivos são fornecidos nas legendas junto com os diálogos dos personagens. Existem também serviços de audiodescrição que fornecem informações visuais por meio da palavra falada para cegos e pessoas com visão limitada. À medida que empresas globais influentes começam a fornecer legendas e audiodescrição em todo o mundo, começaram a surgir vozes pedindo por esses serviços em plataformas domésticas semelhantes e mudanças estão acontecendo. Hamonthly, no entanto, disse que as legendas em coreano ainda não são fornecidas prontamente para todo o conteúdo e que ela fica "perplexa quando há legendas em inglês em alguma mídia coreana, mas nenhuma legenda em coreano". Também é difícil encontrar legendas para programas que estão ao vivo. Geralmente, há um período de espera envolvido antes de serem adicionadas.
Jung disse que isso cria um problema em que as pessoas precisam assistir "tudo o que é fornecido, não o que querem", o que significa que "as pessoas para as quais as legendas são relevantes não têm liberdade de escolha". Jung enfatizou o ponto, observando como "a interpretação por meio da linguagem de sinais se tornou mais visível do que nunca por causa das transmissões de emergência durante a pandemia, mas ainda há problemas quando se trata de aumentar a qualidade da interpretação da linguagem de sinais, bem como a sua cobertura, o que apenas equivale a cerca de 7% de tudo o que é transmitido". As grandes mídias e serviços semelhantes não são uma solução completa devido ao "fardo do custo" e ao "problema de acessibilidade para pessoas idosas que têm dificuldade em entender e usar legendas".
Hamonthly disse que tem “dificuldade em sentir qualquer mudança real”, embora as questões sob o princípio "livre de barreiras" tenham surgido recentemente. Por exemplo, o número de filmes nacionais nos cinemas com legendas em coreano e o número de sessões que os exibem é muito baixo. Soluções tecnológicas alternativas, como “óculos inteligentes ou fornecer o roteiro do filme”, existem, mas não estão em uso, disse ela, explicando que é difícil sentir qualquer mudança real porque a falta de opções significa que ela tem “que se ajustar na estrutura existente”. Ainda persistem problemas além dos próprios filmes. Kim Soo-Jung, o diretor do Korean Barrier Free Films Committee (KOBAFF), que cria legendas sem barreiras para filmes e organiza o Festival de Cinema sem Barreiras de Seul, criticou cada parte do processo [de ir ao cinema] – desde entrar no local e comprar ingressos a entrar na sala de exibição e aproveitar o show – por estar cheio de dificuldades. “O uso de quiosques também se tornou um problema ultimamente. Também é difícil para os cegos saberem para que direção as setas apontam no caso de uma evacuação de emergência”, sugerindo que todas essas coisas precisam ser melhoradas.
O mesmo pode ser dito sobre as apresentações ao vivo. Kim Minjung é a produtora da Fundação de Seul para Artes & Cultura, que participou do projeto de performance livre de barreiras realizado como o programa sazonal do Namsan Arts Center 2019. Kim explicou que era necessário "complementar ou atualizar as instalações do local para melhorar a acessibilidade física" naquele momento, incluindo a reforma de placas de informações em Braille e pavimentação tátil para cegos, além de garantir que não haveria problemas para a movimentação de cadeiras de rodas. Além de salas de exposição, atrações turísticas e locais de espetáculos, ainda há considerações e melhorias a serem feitas em torno dos locais do cotidiano para que todos possam ter acesso livre a eles e às informações e meios de comunicação ali encontrados. Hamonthly explicou que programas longos com vários artistas devem ter, no mínimo, dois a três intérpretes que podem se revezar e que ficam diante do público surdo. Ela também acredita que é necessário considerar “onde os intérpretes devem estar” e como proceder no “caso de vários surdos solicitarem” seus serviços. Ela acrescentou que, mesmo que haja interpretação para a linguagem de sinais, se não for suficientemente divulgada, o serviço acabará não sendo utilizado por aqueles que se beneficiariam. Melhorias legais apropriadas também devem ser feitas para lidar com tais inadequações. Ao mesmo tempo, Kim Soo-Jung disse: “Mesmo se você estiver interpretando a mesma frase, com que sensibilidade você a está interpretando é importante”. Como tal, quaisquer melhorias feitas à sociedade devem envolver a disposição de se comunicar com as partes que elas impactam.
"Desde dois ou três anos atrás, diferentes shows livre de barreiras foram produzidos”, disse Kim Minjung. Em outras palavras, os problemas que sempre existiram na ida aos cinemas/teatros só agora estão vindo à tona. Kim disse que “havia problemas diferentes em cada performance” e que conversou com os diretores sobre, por exemplo, “onde colocar os intérpretes” em uma apresentação com vários atores “e como a informação auditiva e visual será transmitida através da interpretação de mensagens de texto e descrição de áudio”. Kim Soo-Jung também descreveu como, com o recente aumento da necessidade de legendas nos serviços de mídia, um problema em que diferentes plataformas repetem o esforço de escrever suas próprias legendas para os mesmos programas "agora se tornou aparente". O fato de que os intérpretes agora estão sendo empregados para apresentações não é uma solução completa para todo o problema. Inevitavelmente, ainda há mais desafios a seguir. A "barreira" em "livre de barreiras", disse Jung, é outra maneira de dizer "comunicação entre a comunidade surda e o resto do mundo". Isso se conecta com o que Kim Minjung disse em um fórum – que a acessibilidade não deve ser "um valor apresentado pelos pedidos de mudança de um grupo, mas uma mentalidade" mantida por "toda a sociedade". Ela explicou o princípio da acessibilidade: a criação e o gozo da arte estão sendo discutidos no campo das artes “no sentido de não categorizar os deficientes ou tratá-los como sujeitos incomuns, mas, das crianças aos idosos, como sujeitos individuais com personalidades distintas”. Os ideais livres de barreiras, que se originam de problemas de acessibilidade espacial, em última análise são projetados para beneficiar mais do que apenas os deficientes. Os elevadores instalados nas estações de metrô em resposta à luta para garantir o direito das pessoas com deficiência à livre circulação também se mostram convenientes para os idosos sem deficiência. As exibições amigáveis à demência da KOBAFF, explicou Kim Soo-Jung, não apenas fornecem uma experiência cinematográfica sem barreiras com muitas explicações, mas também se concentram em fornecer um ambiente visual e psicologicamente confortável para pacientes com demência que se sentem desconfortáveis em lugares desconhecidos.
O processo de criação de um mundo livre de barreiras também resulta em experiências um pouco mais úteis para as pessoas sem deficiência no seu dia a dia. “Eu vi um comentário de alguém que pode ouvir dizendo que é mais fácil entender o que eles estão assistindo em seu serviço d mídia quando ativam as legendas coreanas”, disse Hamonthly. “O que é bom para as pessoas que ouvem também oferece conveniências para as pessoas surdas e com deficiência auditiva".
Apesar de tudo isso, a Netflix só começou a adicionar legendas ao seu serviço porque a Associação Nacional de Surdos dos Estados Unidos ganhou uma ação judicial contra eles em 2010. Claramente, garantir direitos para pessoas com deficiência que ainda não lhes são fornecidos por lei deve ser sempre priorizado nesta discussão. Políticas livre de barreiras, como todas as mencionadas neste artigo, estão agora sendo implementadas aos poucos em toda a sociedade e são o resultado de uma variedade de movimentos realizados por pessoas com deficiência ao longo do tempo. Por outro lado, porém, a discussão não pode ser transformada em uma conversa muito distante de pessoas sem deficiência. É um problema que todos devemos resolver juntos – você, eu, as pessoas próximas a mim e todos os membros da sociedade.
A primeira pessoa que vemos no videoclipe de “Permission to Dance” é uma mulher trabalhando em um restaurante. O vídeo mostra várias outras pessoas – carteiro, faxineiro, crianças, estudantes – que vivem e trabalham ao nosso redor, mas que pertencem a uma classe de pessoas cujas lutas desde a chegada da pandemia não são visíveis o suficiente. Certamente, não é coincidência que o BTS escolheu chamar a atenção para tais indivíduos em seu videoclipe enquanto também usa a Linguagem Internacional de Sinais. O BTS também teve intérpretes em algumas das suas apresentações há dois anos. O que é mais importante do que o que o BTS fez, no entanto, é a discussão contínua em torno das questões levantadas e se elas podem resultar em algo que melhore a vida das pessoas surdas e, além disso, de todas as pessoas com deficiência. Isso, disse Hamonthly, precisa de "atenção contínua, não de curiosidade". E ela acrescentou mais uma coisa:
"Há mais surdos ao seu redor do que você pensa."
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