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Ouvindo "Born Singer" [Weverse Magazine | 07/06/2022]

*Tradução livre a partir de artigo original publicado pela Weverse Magazine em 07 de junho de 2022. Caso deseje visualizá-lo, acesse: https://magazine.weverse.io/article/view?lang=en&num=428





Ouvindo "Born Singer":

Tudo sobre a primeiríssima

mixtape do BTS




A música tem um poder especial na preservação da memória. A memória não tem forma física e, por mais que tentemos capturá-la em palavras ou em uma representação visual, algumas coisas, no entanto, desaparecem no éter. Não é uma tarefa fácil quando a linguagem é inadequada (ou insuficiente) para expressar as emoções. Mas há momentos em que colocamos uma música para tocar e ouvimos algo que foi favorito no passado, e é como se fossemos transportados de volta aos velhos tempos. Às vezes, sou surpreendida quando velhas emoções, que são tão difíceis de colocar em palavras, ou o cenário e sentimentos específicos que senti na época, voltam correndo para mim. Além do fato de que essas memórias permanecem lá dentro de mim. Este é o poder da música e parece ainda mais precioso porque chega até nós inconscientemente.


A música “Born Singer” ("Cantor de Nascença") é uma lembrança dos primeiros dias do BTS e do seu debut. A data oficial de debut do grupo é 13 de junho de 2013, mas eles tiveram o seu showcase (show amostral) de debut no dia 12 e lançaram uma música não oficial, “Born Singer”, no SoundCloud e YouTube exatamente um mês depois, em 12 de julho de 2013.


PROOF foi anunciado, “Born Singer” foi revelada como a primeira música do álbum antológico previsto para ser lançado em junho, trazendo de volta memórias para os fãs que já conheciam a música e criando entusiasmo para aqueles que estavam ouvindo falar sobre ela pela primeira vez.


A música na qual a faixa se baseia é “Born Sinner”, de J. Cole, que apareceu como a faixa final de seu segundo álbum. Lançada junto ao álbum do artista em 18 de junho de 2013, a música é sobre a promessa do jovem rapper de, simplesmente, fazer melhor: “Eu sou um pecador de nascença…". J. Cole era uma das estrelas em ascensão mais promissoras da cena do hip hop americano na época. O fato do BTS ter lançado uma música que adicionou letras coreanas a uma das faixas mais quentes daquele mês mostra que o grupo estava prestando atenção ao hip hop contemporâneo com muita paixão. Eles também estavam provando a sua capacidade de contar uma história adicionando nova letra a uma música existente, como qualquer novo artista de hip hop faria.


No entanto, eles não escolheram a música apenas porque era um sucesso. O BTS realmente mostrou respeito a J. Cole diversas vezes. j-hope tem uma afeição particularmente forte pelo rapper. Ele dedicou dois versos completos ao artista em “Hip Hop Phile”, do álbum Dark & ​​Wild, o primeiro álbum de estúdio do grupo, e nomeou a sua primeira mixtape, Hope World, de maneira semelhante ao álbum de estreia de J. Cole, chamado Cole World: The Sideline Story. Os outros membros do BTS também mostraram um carinho quase infinito por J. Cole, recomendando sua música aos seus próprios fãs várias vezes. J. Cole era uma raridade entre os letristas de hip hop no início de 2010, escrevendo letras reflexivas em uma época em que a música de festa era o que ocupava o mainstream. Como produtor, ele fez batidas líricas únicas usando as habilidades musicais que cultivava desde jovem. Os membros do BTS estavam no final da adolescência e início dos vinte anos na época – um período em que uma nova onda de hip hop lírico, inaugurada por J. Cole e Kendrick Lamar, estava em pleno andamento – e passavam seus dias de trainee ouvindo tal música. A música literária e lírica característica de J. Cole, que os membros tanto adoravam, continua a fazer parte do DNA do BTS até hoje e ainda pode ser ouvida aqui e ali em suas músicas mais recentes.


"Born Singer” está repleta de memórias dos primeiros 20 dias após o debut do BTS. Você esperaria que o período imediatamente após o debut fosse repleto de felicitações, mas esse não foi o caso do BTS.


A sua imagem como os chamados "idols do hip hop" gerou controvérsia entre os fãs de hip hop e de idols desde o início, mesmo antes de debutarem. Houve grupos de K-pop antes do BTS que também se declararam como idols do hip hop, mas a maioria das músicas de sucesso desses grupos refletia a atmosfera de festa de algum hip hop ou se apegava ao K-pop padrão, ao qual os ouvintes eram relativamente abertos.


Embora o BTS fosse lançar faixas semelhantes, o seu ponto de diferenciação no início era a sua REALIDADE, tanto quanto o orgulho da música do hip hop. Eles podiam ser jovens e não perfeitamente habilidosos, mas escreveram sobre o que sabiam e sobre o que queriam falar, como a escola. E, como outros artistas de hip hop, eles produziram mixtapes (gravações) e as divulgaram pelo SoundCloud. Se uma das características definidoras do K-pop é o desejo de superar o preconceito, o movimento do BTS foi outro em uma longa linha de movimentos desse tipo. Assim como os idols que podem cantar e dançar ao vivo surgiram em resposta à presunção de que os idols não poderiam cantar bem, o BTS vem explorando a ideia de que os idols não podem escrever letras “de verdade” e vem lutando contra esse preconceito desde antes mesmo de seu debut. Seus primeiros esforços, no entanto, não foram recebidos com ampla aceitação, mas resistência. A letra de “Born Singer” continua sendo um relato vívido da reação das pessoas após o seu debut e como o grupo se sentiu em resposta.



Tendo debutado sob críticas a respeito da autenticidade de seu hip hop, a letra dos jovens membros do BTS é agridoce e a combina com a batida de “Born Sinner”, que é sobre a dualidade do pecado original e a santificação na tradição cristã. Ao contrário da versão de J. Cole, a música do BTS abre com o refrão. O sentimento gospel tecido em "Born Sinner" é aqui transformado pelas vozes de Jung Kook, Jin, V e Jimin em algo mais parecido com um coral de meninos subindo ao palco. Em seus versos, SUGA expressa raiva, algo mais do que simples decepção, às acusações que enfrentou por supostamente mudar. Ele se sente expulso pela tentativa do BTS de tentar algo diferente. A estrofe de 20 compassos do RM pode ser tomada pelo seu valor nominal: o medo de decepcionar aqueles que tinham grandes expectativas em relação ao grupo. De qualquer forma, as emoções são evidentes e mais cruas do que qualquer uma das músicas incluídas no álbum real, mesmo depois de todo esse tempo. E os versos do j-hope unem as partes de todos, transformando a música de uma série de experiências individuais de cada membro para uma experiência compartilhada de solidariedade em grupo. Além disso, a última vez que eles cantam o refrão, eles o fazem a cappella e com palmas, convidando ativamente os fãs do grupo, o ARMY, a participarem quando apresentavam a música ao vivo. Esses 16 compassos finais de “Born Singer” demonstram a intenção do BTS de transformar a música em uma memória compartilhada não apenas entre seus membros, mas também com seus ouvintes atentos. Nesse sentido, “Born Singer” é realmente o primeiro hino do BTS e do ARMY.


Diz-se que a habilidade especial mencionada anteriormente que a música possui para preservar memórias está relacionada a uma parte específica da memória de longo prazo chamada memória não declarativa. A informação linguística transmitida pelas letras permanece em nossa memória narrativa consciente, também conhecida como memória declarativa, mas as imagens e a intensa resposta emocional sugerida pelas letras, quando combinadas com uma batida, são armazenadas na memória não declarativa – no inconsciente. E não é necessário estar lá com o BTS em 2013 para sentir a intensidade. Se você ouviu a faixa no SoundCloud no dia em que foi lançada, ou durante a 2015 BTS LIVE TRILOGY: EPISODE I | BTS BEGINS, ou na 2017 BTS LIVE TRILOGY EPISODE III | THE WINGS TOUR THE FINAL ou ainda agora como a primeira faixa do álbum de antologia de 2022, você teve sua própria experiência pessoal e intensa, ou em breve terá.


“Born Singer” replica infinitamente todas as emoções que o BTS sentiu nos 20 dias que se seguiram a partir de 12 de junho de 2013 e, para milhões, senão dezenas de milhões de ARMYs, ela está armazenada em suas memórias de maneira pessoal. A capacidade da música de perfurar o inconsciente lhe dá o poder de trazer experiências pessoais à superfície e também possibilita que uma experiência coletiva se forme em torno de músicas como “Born Singer”.


Ouvir música atualmente é quase sempre uma experiência individual. Com o surgimento do Sony Walkman no século 20, tornou-se comum ouvir música através de fones de ouvido e a popularidade do Apple iPod apenas acelerou essa tendência. Hoje, os serviços de streaming de música mais populares do mundo recomendam músicas pessoalmente aos ouvintes por meio de um algoritmo. Embora seja divertido ter algo que só você pode desfrutar, há uma tendência crescente de que haja um número cada vez menor de músicas de sucesso ouvidas em toda uma geração. Em um mundo fragmentado por gostos, o BTS está no centro de uma comunidade que forma uma das maiores bases de fãs do planeta, tornando o grupo algo que muitas pessoas – o ARMY espalhado pelo mundo e conectados online, em particular – compartilham como um interesse comum.


Mesmo em 2022, quando as pessoas ouvem “Born Singer”, elas estão simpatizando com um grupo cujo futuro já foi incerto. A memória já foi restrita a sete deles, mas replicada tantas vezes através do poder da música e se espalhou o suficiente para representar as memórias de ouvintes individuais também. E é por isso que, em 2022, “Born Singer” é agora um hino tão grande quanto o ARMY é um fandom global.


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