Tradução livre a partir do artigo original de Lenika Cruz publicado em 26 de dezembro de 2020. Caso deseje visualizá-lo, acesse: https://www.theatlantic.com/culture/archive/2020/12/bts-2020-borahae/617521/
O BTS passou tanto tempo na estratosfera da música pop que pode ser fácil esquecer ou surpreendente aprender sobre os anos que eles passaram no nível do porão. Em 2014, para o primeiro aniversário de seu debut, os sete membros do grupo comemoraram limpando o pequeno dormitório que compartilhavam e cozinhando uma boa refeição. Eles gravaram um vídeo de si mesmos para os fãs, mergulhando algas em uma tradicional sopa coreana de aniversário, enchendo balões, limpando a sala de estar e decorando um bolo. Seu líder, lá com 19 anos, RM, tenta descascar uma cebola. “Cara, eu me pergunto como a minha mãe fazia isso todos os dias”, diz ele, parecendo envergonhado. “Os membros sempre me dizem para não dirigir ou cozinhar pelo bem da paz mundial.”
Sem se incomodarem com os alojamentos apertados, eles parecem tontos por alcançarem juntos um marco na carreira. Assistir a este vídeo agora — seis anos, sete álbuns de estúdio e uma montanha de recordes quebrados da indústria depois — não é apenas um exercício de nostalgia pelos primeiros dias de RM, Jin, Suga, J-Hope, Jimin, V e Jungkook . É um lembrete de como a maior banda do mundo se tornou tão popular em primeiro lugar, uma lição prática para aproveitar ao máximo o pouco que você tem.
A humildade foi útil em 2020, um ano que colocou a indústria do entretenimento, assim como o mundo, de joelhos. A pandemia do coronavírus levou ao cancelamento de turnês e ao fechamento de espaços de shows. Quando os músicos tocavam, eles o faziam de casa ou para lugares vazios. Essa nova realidade poderia ter prejudicado o BTS, uma banda conhecida por oferecer shows ao vivo espetaculares e de alta energia. (No ano passado, eles esgotaram um show no Wembley Stadium de Londres em 90 minutos.) Acostumados a prosperar em palcos elaboradamente projetados para dezenas de milhares de pessoas, eles de repente se viram gravando aparições na TV em seu espaço de ensaio e executando grandiosas promoções de comeback apenas com staffs torcendo por eles. Porém, embora o BTS não seja mais um grupo estreante de uma pequena gravadora, o seu início modesto os preparou para o sucesso durante um ano que teria reduzido as suas ambições.
Originalmente, 2020 prometia uma turnê mundial para Map of the Soul: 7, o álbum mais sofisticado do grupo até o momento e que os fãs esperavam que levasse às estrelas pop sua primeira indicação ao Grammy. “Temos lutado este ano”, Jin me disse em uma recente entrevista por e-mail com o grupo. “A maioria dos planos que fizemos há dois anos desapareceu, mas, no meio disso, trabalhamos muito e… fizemos algo significativo.”
Para o BTS, algo significativo é ser indicado ao Grammy meses depois de se apresentar no Grammy — e ser o primeiro grupo coreano a fazer isso. Eles lançaram seu quinto álbum consecutivo na Billboard Hot 200 com BE. Eles conseguiram três músicas em primeiro lugar no Hot 100, incluindo seu primeiro single em inglês, “Dynamite”, e seu hit, “Life Goes On”. Embora “Dynamite” seja a maior música do BTS até agora, RM disse que a última conquista o fez sentir “o dobro de alegria porque, como você disse, era uma música coreana. É um título que nossos fãs nos deram.” Ao contrário de “Dynamite”, “Life Goes On” não recebeu praticamente nenhuma reprodução de rádio, então compras e streams de fãs a levaram para o topo das paradas, tornando-se a primeira música coreana a chegar lá.
A linguagem hiperbólica que cerca o BTS hoje (Fenômeno global! Sensação do K-pop! Primeiro ato coreano a…!) pode obscurecer o fato de que o grupo não precisa de grandes estádios ou listas de músicas épicas para alcançar o público. Eles se sentem confortáveis para conversar com os fãs por meio de transmissões ao vivo improvisadas em seus pijamas ou postar covers de músicas no Twitter. E, ao contrário de muitos grupos de idols, os membros do BTS sempre abordaram o assunto da saúde mental em suas letras e em suas vidas. Essa franqueza ressoou neste ano em particular, quando eles falaram sobre sentir raiva, impotência e depressão.
Para seu aniversário no início deste mês, Jin lançou uma faixa solo chamada “Abyss”, junto com uma nota explicando que ele a escreveu depois de passar por um profundo esgotamento e buscar aconselhamento para pensamentos ansiosos. Quando perguntei se ele achava difícil essa honestidade, ele hesitou. “Não sei se foi difícil compartilhar isso”, disse Jin. “Acho que a música é apenas outra forma de expressão. Se eu não tivesse escrito o texto no blog, acho que as pessoas poderiam ter entendido que eu estava nesse estado.” Comovidos por suas palavras e pela beleza delicada da música, os fãs compartilharam suas próprias lutas nas redes sociais. “Se você sabe como lidar com sua saúde mental, não há problema em manter isso para você”, disse Jin. “Mas se você não sabe, acho que é bom você se abrir porque pode ter alguém por perto que saiba como lidar com isso.”
Esta semana trouxe uma dupla de lançamentos surpresa do SoundCloud também destinados a confortar: “Christmas Love” de Jimin e “Snow Flower” de V. Jimin, para acompanhar sua faixa brilhante e nostálgica, escreveu uma mensagem sobre sentir alegria apesar dos roteiros sociais da idade adulta: “Em vez de rejeitar seus sentimentos como ‘medrosos’ ou ‘infantis’, como costumamos fazer, espero que chegue o dia em que todos possamos desfrutar alegremente dessas emoções juntos.” Em sua nota para o doce jazz de “Snow Flower”, V escreveu: “Neste ano, pareceu que o tempo parou e acho que muitas pessoas sentirão mais ansiedade e depressão à medida que o fim do ano se aproxima. Pelo menos por hoje, espero que as flores brancas desçam aos seus corações e que vocês sintam um pouco de conforto e felicidade.”
Do outro lado desse cenário de vulnerabilidade, o BTS também ofereceu consolo ao público em apresentações deslumbrantes. Com a turnê adiada indefinidamente, eles reconfiguraram suas músicas para consumo online. Uma apresentação aconchegante de verão e um concerto de outono de dois dias com a presença de quase 1 milhão de pessoas testaram os limites dos shows virtuais ao vivo. “Não acho que a nossa música ou performance tenham sido limitadas, mas é apenas a forma como entregamos a melhor performance que mudou”, disse V sobre o trabalho do grupo na era pandêmica. Em 2019, uma das melhores performances do BTS foi um set de 37 minutos para o Melon Music Awards da Coreia do Sul, apresentando cavalos ao vivo, sete palcos solo, um dance break de tirar o fôlego e um mar de outros detalhes. Em 2020, muitas das suas melhores performances foram muito menores, mas não menos memoráveis. Para o The Late Late Show With James Corden, eles cantaram “Life Goes On” enquanto caminhavam (graças aos truques de edição) pela mesma sala repetidamente, transmitindo a claustrofobia da vida em quarentena.
Quando o BTS voltou ao Melon Music Awards este ano, eles impressionaram não com escala, mas com coreografia precisa. Jimin e Jungkook executaram um pas de deux requintado e tecnicamente difícil durante a música “Black Swan”. E o grupo revelou um dance break ao estilo de Michael Jackson, infinitamente reassistível, para “Dynamite”. “Para ser sincero, acho que aquela performance foi quase perfeita”, me disse J-Hope. Isso significa muito vindo do líder de dança meticuloso do grupo. “Não era algo que pudesse ser feito por mim mesmo, mas tudo estava em sincronia — os figurinos, luzes, coreografia, trabalho de câmera e os [demais] membros.”
Às vezes, ter a “melhor performance” significou não dançar. Para o seu NPR Tiny Desk Concert em setembro, o BTS fez o show (na maior parte do tempo) sentados. E “Life Goes On” é a primeira faixa-título a não ter uma coreografia oficial. “Acreditamos que a emoção da música fica melhor sem qualquer coreografia”, disse Suga sobre o single discreto, que parece ter sido escrito não de idols para fãs, mas de um humano para outro. O restante de BE também se parece com isso — cru e pessoal, como uma mixtape projetada para seus amigos mais próximos. Em seus versos de “Life Goes On”, Suga faz referência a uma música maravilhosamente introspectiva da sua última mixtape solo chamada “People”, cuja letra é da mesma forma sobre uma visão otimista dos caprichos da vida. “A mensagem de ‘People’ era algo como ‘e daí, a vida ainda continua’, então eu queria estender essa mensagem”, disse Suga.
No final de 2020, com o início da distribuição da vacina, a noção de que a vida continua pode parecer mais plausível do que antes. Para o BTS, como para todos, o próximo ano parece embaçado, mas pelo menos há um ponto de partida claro. “2021 começa com o Grammy”, disse J-Hope. “Dizem que o primeiro passo [do ano] é importante, então espero que tenhamos bons resultados lá.” O BTS foi nomeado para Melhor Performance de Pop de Dupla ou Grupo com “Dynamite” e deve se apresentar, embora muitos fãs tenham ficado desapontados porque Map of the Soul: 7 não foi reconhecido. “Seria uma honra receber um aceno para o nosso álbum algum dia”, disse o grupo.
O BTS espera que o restante de 2021 traga a possibilidade de shows ao vivo. “Quero mostrar aos nossos fãs a nossa performance de ‘ON’ ”, disse Jungkook sobre a música coreografada de maneira extravagante. “Se os fãs quiserem ver ‘Louder Than Bombs ’, é claro que podemos apresentá-la”, acrescentou. O próximo ano também deve render mais trabalhos solo, incluindo projetos altamente antecipados de V e Jungkook. “Este ano está cheio, então não consegui encontrar muito tempo para trabalhar nisso. Vou tentar aperfeiçoá-la no próximo ano ”, disse V sobre a sua mixtape. “Quando revisito as músicas que eu fiz, eu não fico totalmente satisfeito. Então, honestamente, ainda não sei!”, Jungkook disse sobre o lançamento de sua mixtape, embora ele tenha escrito ou produzido várias canções este ano, incluindo a balada “Still With You”.
Aconteça o que acontecer no Grammy, a nomeação de “Dynamite” é algo muito significativo. Como Jimin disse em uma entrevista recente à Vanity Fair, “No mundo todo, quando as pessoas olham para nós, elas podem não saber de que país somos. Eles podem não saber de que pequena cidade rural nós viemos. E, ainda assim, lá estamos nós no palco mais alto, na corrida para ganhar um prêmio.” Esse simbolismo do palco do Grammy, a legitimidade que ele confere, é real. Mas o passado humilde do BTS está sempre presente. Eles parecem, a todo o momento, lembrar-se de onde vieram, mesmo quando procuram não ficar confinados ao rótulo do K-pop. “O produtor Bang [Si-hyuk] uma vez me disse que eu era ‘local ’ e acho que isso é algo que me descreve com precisão”, me disse RM, referindo-se ao fundador da companhia do BTS, a Big Hit Entertainment. “Também estou ciente de que, como millennials, não é desejável nos limitarmos a uma determinada região.” Com o BTS, a única constante é a sua dualidade — eles são “locais”, mas globais; forasteiros da indústria mesmo dentro dela; igualmente qualificados em intimidade e deslumbre.
Este ano poderia ter sido muito diferente para o BTS se seu vínculo não tivesse sido concebido na prova severa daqueles primeiros anos. “Quando a vida fica difícil ou é difícil encontrar motivação na vida, o que me faz continuar são os relacionamentos e a energia que recebo deles — nossos membros, as pessoas ao meu redor e os nossos fãs são todos muito valiosos”, Jimin me disse. Seu sentimento é ilustrado na faixa de BE, “Skit”, que documenta a reação do grupo ao saber de seu primeiro Nº 1 na Hot 100. Os membros gritam e brincam sobre pular o ensaio de dança para pegar uma bebida. A faixa termina com RM perguntando a J-Hope, “Hobi-ah, você não acha que é assim que é a felicidade?”
Seis anos atrás, o BTS se reuniu para uma espécie de celebração mais silenciosa. No final do vídeo do primeiro aniversário, eles se sentam no chão do dormitório em torno de uma mesa repleta de comida deliciosa, rindo. Eles cantam “Parabéns pra você” para si mesmos. Então, juntos, eles começam a comer. Parece felicidade também.
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