*Tradução livre a partir de artigo original publicado em 28 de junho de 2021. Caso deseje visualizá-lo, acesse: https://magazine.weverse.io/article/view?num=192&&lang=en
Histórias após #StopAsianHate:
Mais um passo para os direitos humanos e igualdade
Em 16 de março, nos Estados Unidos, um homem branco entrou em três spas administrados por asiáticos em Atlanta, Geórgia, e abriu fogo. Ele matou oito pessoas. Entre as vítimas estavam seis mulheres asiáticas, quatro das quais eram coreanas. Já se passou um mês desde que a deputada Judy Chu revelou que mais de 100 crimes de ódio contra asiáticos são relatados nos Estados Unidos todos os dias e já se passou cerca de um ano desde março passado, quando a Organização Mundial da Saúde declarou a COVID-19 como uma pandemia.
O incidente foi particularmente chocante para os cidadãos, mesmo estando agora em meio a taxas ainda mais altas de crimes de ódio contra asiáticos nos Estados Unidos em 2021, devido não apenas às visões distorcidas do atirador sobre raça e gênero, mas também a atitude da polícia local. A polícia foi citada por um porta-voz como tendo dito que o agressor “teve um dia ruim” e não o acusou de crime de ódio, apesar de ele ter visado especificamente mulheres asiáticas. Crimes de ódio implicam em penas maiores. Demorou mais de dois meses para os promotores considerarem o incidente como um crime de ódio e, em 11 de maio, o tiroteio de Atlanta se tornou o primeiro caso a ser aplicado à lei de crimes de ódio desde que essa entrou em vigor na Geórgia.
As opiniões e resistência de muitos cidadãos foram a força motriz por trás desta decisão. Muitas pessoas falaram sobre este crime horrível e como a resposta dada a ele foi mal feita. As celebridades asiáticas foram especialmente assertivas ao usarem as suas plataformas para expressarem as suas opiniões. A atriz coreana canadense-americana Sandra Oh falou em um comício ao ar livre em Pittsburgh, enquanto o cantor e nativo de Atlanta, Eric Nam, escreveu um artigo de opinião para a revista Time tomando uma posição firme contra ameaças aos direitos humanos dos asiáticos, um sentimento que ele repetiu em uma entrevista à CNN. Nas redes sociais, as hashtags #StopAsianHate e #StopAAPIHate - usando um termo que se refere a asiático-americanos e habitantes das ilhas do Pacífico - se espalharam com mensagens de condenação, pedindo respeito aos asiáticos. Em 29 de março, o BTS postou uma declaração que incluía a hashtag em sua conta do Twitter também. A curta carta expressou condolências às famílias enlutadas das vítimas do massacre de Atlanta, abordou a discriminação que eles próprios enfrentaram e reafirmou o seu senso de identidade asiática. A postagem se espalhou exponencialmente pelo globo conforme foi rapidamente retuitada.
Vamos voltar um pouco no tempo. Em 25 de fevereiro, um apresentador da estação de rádio Bayern 3 da emissora alemã na Baviera cuspiu comentários racistas a respeito do BTS. De palavras ofensivas a comparações com o coronavírus ou ainda a sugerir que o grupo terá que tirar "férias" na Coreia do Norte - um termo usado pelos nazistas para enganar os judeus quando os forçaram a entrar em campos de concentração - foi um caso clássico de ódio em direção aos asiáticos. Membros da base de fãs do BTS, o ARMY, na Alemanha e em todo o mundo inundaram a estação de rádio com requerimentos de um pedido de desculpas imediato. A estação emitiu um pedido de desculpas logo depois, mas apenas atiçou as chamas ainda mais, dizendo que "se trata da opinião pessoal dele" e que se os fãs "consideravam as suas declarações como ofensivas ou racistas... então nós nos desculpamos profundamente." O ARMY pressionou a emissora persistentemente a emitir um pedido de desculpas adequado. Assim, a estação emitiu uma segunda declaração revisada no dia seguinte.
Não foi a primeira vez que o BTS foi alvo de tais comentários racistas na mídia ocidental. Quando o grupo ganhou reconhecimento internacional pela primeira vez depois de ganhar o prêmio Billboard Music de Melhor Artista Social em 2017, a maioria da imprensa convencional os descartou como cantores estrangeiros famosos na internet ou como uma moda passageira. Mas a sua popularidade disparou e apenas um ano após o acontecimento, o grupo lotou o estádio Citi Field na cidade de Nova York. Em 2019, eles eram grandes o suficiente para fazer uma turnê mundial, estádio após estádio. Somente quando o BTS atingiu um nível em que se tornou impossível de ignorar, a grande mídia começou a reconhecê-los e prestar atenção a eles tardiamente. Alguns receberam bem a chegada dessas novas estrelas com a mente aberta, mas também havia aqueles que teimosamente viam o BTS como estranhos porque eles não são brancos e são da Coreia. A medida em que a influência do BTS crescia, essas pessoas viam o grupo com desconfiança, como estranhos que ameaçavam a indústria estabelecida e, assim, tentavam cortar o grupo de vez em quando. Foi naquele mesmo ano, em 2019, que a tendência para comentários racistas grandes e pequenos em relação ao BTS realmente começou a se acumular. Além dos comentários explicitamente racistas já mencionados, houve inúmeros casos de microagressões, incluindo artigos insinceros e comentários sutilmente negativos. Mesmo celebridades tão bem-sucedidas quanto eles foram pautadas como se não se encaixassem a aquele espaço e foram discriminadas por não serem brancas, mas sim asiáticas.
Há uma longa história de ódio dos ocidentais aos asiáticos e as suas formas são tão variadas quanto o continente asiático é vasto. Para fazer um recorte sobre o preconceito contra os asiáticos do Nordeste Asiático na sociedade americana, o chamado “Yellow Peril” ou “Perigo Amarelo” é um excelente exemplo. O Perigo Amarelo é o medo vago de que os asiáticos do Nordeste Asiático ameacem e derrubem a civilização ocidental. Foi usado como uma peça recorrente de propaganda política.
Tudo começou no século 19. Durante a corrida do ouro na Califórnia, muitos imigrantes chineses se estabeleceram no oeste dos Estados Unidos. Na segunda metade do século, o ódio começou a aumentar em relação à ideia de que os imigrantes chineses roubavam empregos de brancos na região. O Perigo Amarelo era uma boa desculpa para desabafar o ressentimento durante uma recessão instável e sombria, usando os desprivilegiados como bode expiatório. A atmosfera prevalecente de ódio e discriminação emergiu na forma de linchamentos e assassinatos frequentes, que chegaram ao seu auge no massacre chinês de Los Angeles em 1871. No entanto, a América do século 19 não freou essa agitação social. Além disso, em 1882, o Congresso dos Estados Unidos promulgou o Ato de Exclusão da China, o primeiro ato desse tipo a impedir a imigração de uma nacionalidade específica. Isso foi seguido em 1924 por uma revisão das leis de imigração que impunham uma cota aos imigrantes de origem nacional. Este foi um “Ato de Exclusão Asiático” de fato, que alocava o número total de imigrantes permitidos por ano por país para acomodar europeus enquanto suprimia a comunidade asiática. É um exemplo de ódio que vem da sociedade que então se infiltra no sistema nacional.
A história de meados do século 20 também mostra imigrantes japoneses sendo internados indiscriminadamente durante a Segunda Guerra Mundial porque o seu país natal era um inimigo durante a guerra. A razão pela qual os imigrantes japoneses foram injustiçados de forma tão veemente em comparação com alemães e italianos, apesar de também serem de países inimigos, em grande parte se resumia ao perfil racial, ou discriminação ou segmentação de alguém com base em sua etnia.
Dizia-se que o medo do Perigo Amarelo havia se reacendido no final do século 20, quando a indústria americana estava perdendo terreno para a concorrência com as empresas japonesas, mas isso se enfraqueceu com o tempo. No entanto, ao entrarmos no século 21, o medo, junto à discriminação contra outras etnias, foi reavivado descaradamente quando a China se tornou uma ameaça econômica crescente. E agora tais sentimentos de ódio equivalem a cometer crimes violentos contra asiáticos.
Embora os coreanos tenham sofrido suas próprias dificuldades específicas sob as mãos do Império Japonês durante o domínio colonial, eles também sofreram ódio como parte de um grupo maior baseado apenas na cor de sua pele. Afinal, aqueles que intencionalmente odeiam outras pessoas também fazem generalizações grosseiras: sejam chineses, japoneses ou coreanos, os asiáticos não-brancos foram discriminados e agora permanece o mesmo de como era antes. Para os coreanos, antecedentes históricos como a Guerra da Coreia aumentaram o preconceito contra eles, com exemplos comuns incluindo o “othering” (expressão que indica pautar determinadas pessoas como se não se encaixassem a um determinado espaço ou grupo social), a “febre amarela”, especialmente associada a mulheres asiáticas e outros fetiches relacionados, e o mito da minoria modelo. Não são apenas os asiáticos do Nordeste Asiático, mas também pessoas do sudeste da Ásia, o subcontinente indiano e o sudoeste da Ásia, bem como os habitantes das ilhas do Pacífico, que sofrem de problemas semelhantes e de suas próprias situações específicas. Lamento não poder cobrir cada uma delas como merecem em um artigo tão curto.
Algumas das discriminações que estão ganhando espaço contra os asiáticos em 2021 podem ser consideradas como parte da mentalidade do Perigo Amarelo. Não há razão para que conflitos de comércio internacional ou doenças infecciosas como a COVID-19 levem à discriminação racial. E ainda crimes de ódio contra asiáticos, especialmente mulheres e idosos, começaram a se espalhar como um incêndio em grandes cidades em particular. Tornou-se visivelmente mais comum ouvir linguagem abusiva ou ser agredido na rua - apenas por ser asiático. À medida que a situação se agravou, os asiático-americanos que não podiam mais ficar parados enquanto testemunhavam a dor de seu povo começaram a se unir. Foi desse pano de fundo que nasceu o movimento #StopAAPIHate.
O incidente de discriminação da Bayern 3 em fevereiro não foi muito diferente em intensidade ou meios do que o que o BTS já havia vivenciado, mas as respostas foram diferentes das dos anos anteriores. Diferente de quando era apenas a base de fãs do BTS, o ARMY, demandando pedidos de desculpas, dessa vez cantores e compositores americanos famosos, incluindo colaboradores do BTS, Halsey e Steve Aoki, se apresentaram para criticar o racismo do apresentador. A Columbia Records, Sony Music, Grammys (Recording Academy) e outras figuras importantes da indústria musical também emitiram declarações em apoio à causa (embora sem mencionar o BTS) usando a hashtag #StopAAPIHate. Pode ser devido ao crescimento do status do BTS e ao impacto das manifestações #BlackLivesMatter de 2020 e do movimento #StopAAPIHate que começou no ano passado na América que levaram a que eles repensassem sobre a conscientização dos direitos das minorias raciais, o que teve grande efeito. Acima de tudo, os artistas que se conheceram por meio do trabalho conjunto mostraram a sua solidariedade, provando que o BTS não só teve sucesso comercial, mas também passou a clamar constantemente por solidariedade enquanto fomentava relacionamentos pessoais recíprocos em território desconhecido. Os meios de comunicação como a Billboard, que a princípio hesitavam em lidar com a situação, agora publicaram artigos.
E então, 10 de abril. A rede de TV chilena Mega exibiu uma esquete de comédia racista sobre o BTS. A partir do Chile, o ARMY em todo o mundo denunciou a rede de TV nas redes sociais e exigiu um pedido de desculpas. Pode ser cansativo lidar com esse conteúdo ofensivo repetidamente, mas a resposta do ARMY foi inabalável.
O que é interessante é que os principais meios de comunicação, incluindo o The New York Times, divulgaram artigos no momento em que o incidente se tornou um grande acontecimento problemático nos Estados Unidos no dia 12. Com a mídia influente em todo o mundo prestando atenção, a rede de TV rapidamente emitiu um pedido de desculpas.
Racismo como esse continua a ser direcionado ao BTS e aos asiáticos como um todo, mas a forma como o mundo ao redor deles responde está mudando com o tempo. Notavelmente, o incidente racista na TV chilena foi o primeiro a envolver o BTS desde que a banda lançou sua declaração #StopAAPIHate. Mesmo antes disso, o BTS era uma figura famosa e, por isso, faria sentido se a discriminação que sofreram fosse coberta pela imprensa. No entanto, a mídia ocidental relutou em reportar sobre isso de forma agressiva. A mídia coreana também não estava muito interessada. A maneira como a mídia ocidental evitou comentar a controvérsia era típica do modelo de discriminação por minoria. Há um mal-entendido de que, porque muitos asiáticos do Nordeste Asiático e indianos têm grandes aspirações educacionais e alcançaram sucesso ou status social relativo, eles não estão sujeitos a discriminação ou ódio. Os asiáticos sofrem com esse tipo de microagressão, o que invalida a experiência de serem discriminados com bastante frequência. No entanto, após divulgar a sua declaração, o BTS se tornou mais do que apenas celebridades asiáticas. Eles fizeram parte do reconhecimento da identidade asiática e participaram ativamente do movimento #StopAAPIHate. A ação rápida da mídia é a sua maneira de lançar luz sobre o BTS, que se tornou uma figura-chave na luta por questões sociais importantes.
É difícil concluir que o progresso em relação à conscientização dos direitos asiáticos nos Estados Unidos e no Ocidente foi feito apenas por causa de uma reação mais conveniente à discriminação contra o BTS. No entanto, gostaria de salientar que essa resposta mais rápida não veio do nada. A mudança é o resultado de um esforço combinado: a persistência do ARMY lutando nas questões sociais e levantando questões consistentemente, e a decisão feita pelo BTS e seus colegas artistas de não ficarem calados. É um pequeno passo, mas eu escolho ver como um progresso em comparação ao lugar onde começamos.
Os crimes de ódio anti-asiáticos, mais comumente conhecidos como a Lei de Crimes de Ódio da COVID-19, foi aprovada nos Estados Unidos no mês passado. O presidente Joe Biden sancionou o projeto de lei acrescentando que “silêncio é cumplicidade”. No entanto, os crimes de ódio contra os asiáticos ainda estão em andamento. Outra mulher asiática foi agredida nas ruas nos arredores de Los Angeles poucos dias antes de escrever esse artigo, em 14 de junho, o que mostra que os crimes não param imediatamente após a aprovação de uma lei. Apesar de todo o progresso recente, ele está enfrentando uma forte reação ao mesmo tempo. Pode ser frustrante, mas não há maneira de enfrentá-lo, senão de frente.
A capa da edição de 5 de abril do semanário americano The New Yorker ganhou as manchetes. Na ilustração, uma mãe asiática e sua filha estão em uma plataforma de metrô. As duas estão olhando em volta, de mãos dadas, e a mãe está olhando para o relógio em seu pulso. Elas parecem estar esperando o trem, que está atrasado. O que torna a imagem tão impressionante é a maneira que mostra como os asiáticos, como minorias, correm o risco de sofrer um crime de ódio mesmo estando em um local cotidiano como uma estação de metrô, mas, ao mesmo tempo, não os retrata como frágeis. R. Kikuo Johnson, o artista por trás da capa, explicou em uma entrevista ao The Hankyoreh que queria que as personagens “estivessem muito alertas e ansiosas, mas sem parecerem abertamente temerosas”. O título da ilustração é "Atrasada" e parece ser derivado da máxima que diz que "justiça atrasada é justiça negada".
A justiça na forma de respeito pelos direitos humanos e igualdade para os asiáticos deve ser alcançada. A sociedade é lenta para mudar, mas há muitas pessoas que não desistiram e estão levantando suas vozes e exigindo justiça imediata. Como um rosto da vida asiática, o BTS, naturalmente, pode desempenhar um papel aqui também, seja grande ou pequeno. Em sua declaração, eles concluíram dizendo que se oporiam ao racismo e à violência juntos. O poder de suportar uma batalha árdua é encontrado na solidariedade. Espero que o mundo que desejo ver chegue mais cedo do que tarde.
Que as vítimas que perderam as suas vidas no tiroteio de Atlanta e em outros crimes de ódio contra os asiáticos descansem em paz.
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