Após passearmos pelos álbuns "Map of the Soul: Persona" (2019) e "Map of the Soul: 7" (2020), não poderíamos deixar de voltar o nosso olhar também a "Map of the Soul: 7 ~ The Journey" (2020), um presente que recebemos do BTS há cerca de 4 meses.
Apenas resumindo de onde paramos: Descobrimos que “Map of the Soul” é, na verdade, um livro publicado pelo Dr. Murray Stein tratando sobre alguns dos principais conceitos e ideias desenvolvidos por um dos maiores teóricos da área da Psicologia: Carl Jung. Além disso, passamos por uma análise dos álbuns “Map of the Soul: Persona” (2019) e “Map of the Soul: 7” (2020).
No entanto, em meio ao caos que temos vivido nestes últimos meses, nós fomos presenteados com “Stay Gold” em 19 de junho e com o álbum “Map of the Soul: 7 ~ The Journey ~” em 15 de julho. Sim, todos sabemos que esse álbum traz, em sua maioria, a versão japonesa de músicas que já conhecemos e, por isso, essa análise será mais breve. Porém, temos também faixas novas e uma sequência de canções bastante intencional, na nossa opinião, que nos conduzirão à continuidade nessa profunda e eterna jornada pela psique humana. Vamos lá?
Capa do álbum "Map of the Soul: 7 ~ The Journey"
Bom, o álbum se inicia com “INTRO: Calling”, uma faixa basicamente instrumental. Entretanto, independentemente da presença constante de vozes ou não, a música traz uma mensagem muito clara: é o anúncio do início de uma nova jornada ou de um novo estágio da jornada. O álbum em si se trata disso — uma retrospectiva do que já vivenciamos e um anúncio e uma transição para os próximos passos.
Após pesquisar em alguns sites e perfis do Twitter, descobrimos que os poucos versos que podemos ouvir a distância em meio à bela melodia dessa primeira canção que se conecta a “Stay Gold”, provavelmente, significam o seguinte:
“Não consigo dormir novamente esta noite
Deixe ir
Tudo sobre você
Cativa meu coração
Continue brilhando para sempre”
Você já ouviu a faixa? Não te passa realmente uma sensação de um chamado ou algo semelhante? Dr. Stein, no episódio 67 do podcast que temos mencionado, ressaltou que esse chamado vem do SELF ou SI-MESMO. O self ou si-mesmo é um dos arquétipos junguianos, o principal deles. Ele é a representação da unificação entre consciente e inconsciente, compreendendo a psique como um todo e também vai além. Veja esses pequenos trechos retirados do livro “Jung - O Mapa da Alma”:
. “Para Jung, o si-mesmo é transcendente, o que significa que não é definido pelo domínio psíquico nem está contido nele mas situa-se, pelo contrário, além dele e num importante sentido, define-o.” (STEIN, 2006, p. 137)
. “Para Jung, o si-mesmo não se refere, paradoxalmente, a si mesmo. É mais do que a subjetividade da pessoa, e sua essência situa-se além do domínio subjetivo. O si-mesmo forma a base para o que no sujeito existe de comum com o mundo, com as estruturas do Ser. No si-mesmo, sujeito e objeto, o ego e o outro, juntam-se num campo comum da estrutura e energia.” (STEIN, 2006, p. 138)
. “O si-mesmo, uma entidade não-psicológica transcendente, atua sobre o sistema psíquico para produzir símbolos de integridade […]” (STEIN, 2006, p. 143)
Sim, é bastante complexo, sem dúvida alguma. Especialmente porque, como disse o Dr. Stein em seu livro, “é a característica mais fundamental de toda a visão de Jung” (STEIN, 2006, p. 137). Fique tranquilo(a), por enquanto, não vamos nos aprofundar por completo em relação ao self, pois ainda não chegamos essencialmente a ele. No entanto, esse chamado pela totalidade e unidade da psique e pela continuidade da jornada vem dele e, por isso, se fez necessário citá-lo aqui.
Além disso, o BTS já vinha nos direcionando para essa ideia de “chamado” há um bom tempo. Por exemplo, você assistiu a performance dos meninos no MAMA 2019? Caso você não tenha assistido, você pode conferir aqui:
A nossa sugestão é que você observe cuidadosa e detalhadamente, como sempre, o VCR que introduz essa apresentação. Temos conexões entre passado, presente e futuro se construindo e a palavra CALLING (CHAMADO) apareceu ali, imensa e direta, diante de nós. BTS já estava nos dando um spoiler e, como é típico, só viemos a compreendê-lo meses depois. (🤡😂)
Em seguida, temos a faixa-título desse álbum, a reconfortante “Stay Gold”. Ao ver a palavra “gold”, ou seja, “ouro”, Dr. Stein, nós e, com certeza, muitas outras pessoas pensaram: ALQUIMIA. Já ouviu falar sobre isso? Vamos tentar explicar rapidamente e de forma simples.
Alquimia é uma prática antiga que pode ser considerada também como uma das precursoras da Química Experimental. No sentido literal, a Alquimia se baseia na ideia de transformar metais em OURO, descobrir o Elixir da Vida e criar a Pedra Filosofal. Todavia, a Alquimia, em um sentido metafórico, também diz respeito ao processo de transformação e desenvolvimento psicológico, o qual Jung chama de “individuação”, como já mencionamos aqui anteriormente. Veja essa frase do próprio Jung em seu livro “Memórias, Sonhos, Reflexões”: "Somente depois de me familiarizar com a alquimia é que percebi que o inconsciente é um processo e que a psique é transformada ou desenvolvida pela relação do ego com os conteúdos do inconsciente.”
Provavelmente, retomaremos mais sobre a Alquimia no futuro, mas, por hora, isso deve ser suficiente. Porém, ainda sobre “Stay Gold”, o ouro, para a Alquimia, é o metal mais nobre e precioso porque é incorruptível e inabalável e, assim, representa a perfeição em todos os seus aspectos. Dessa forma, nessa música, BTS está nos dizendo para permanecermos firmes e perseverantes mesmo em meio a circunstâncias complexas — seja internamente ou externamente, como no momento atual.
MV de "Stay Gold"
Bom, as próximas três músicas presentes no álbum — “Boy with Luv”, “Make It Right” e “Dionysus” — já foram exploradas nas análises anteriores. No entanto, a posição delas neste álbum, como pontuado pelo Dr. Stein, é bastante interessante. São, primeiro, duas canções que tratam, de modo geral, sobre o amor, tanto em sentido literal como em sentido figurativo. “Boy with Luv” e “Make It Right” trazem esse amor mais maduro e, ao mesmo tempo, um contato com a alma, como já vimos anteriormente.
“Dionysus”, por sua vez, traz todos os traços possíveis de liberdade e perdição. E “Idol”, a faixa seguinte, traz de forma bastante provocante e desafiadora uma afirmação dessa posição do ego: ser um idol. Observe:
“Você pode me chamar de artista
Você pode me chamar de ídolo
Ou você pode me chamar de qualquer outra coisa
Eu não me importo”
MV de "Idol"
No entanto, após a “festa”, vem a “ressaca”, não é mesmo? Poderia ser esse o motivo, segundo o Dr. Stein, pelo qual a música seguinte é “Airplane pt. 2”. Com seu ritmo animado e vibrante, talvez, consiga até nos enganar, mas a faixa traz reflexões muito profundas sobre o vazio existente por trás do sucesso, fama e celebridade. Dê uma olhada nesses versos do Jin e do Namjoon:
“(Nós ainda) Céu, alto, céu, voar, céu, irado
(Nós ainda) Mesma tentativa, mesma cicatriz, mesmo trabalho
(Nós ainda) Onde quer que vamos no mundo
(Nós ainda) Trabalhamos em nossos quartos de hotel
(Eu ainda) Um dia funciona muito bem e o dia seguinte está completamente ferrado
(Eu ainda) Como quem devo viver hoje, Kim Namjoon ou RM?
25, ainda não sei viver bem
Então, hoje também, nós apenas vamos”
Assim, podemos perceber como este álbum é uma expressão de estações encontradas em meio à jornada e das consequências que elas podem trazer. Por isso, “Airplane pt. 2” pode ser considerada como uma espécie de ressaca dos dois momentos anteriores — “Dionysus” e “Idol”. Esses sentimentos de desilusão e confusão, de exaustão e perda de sentido no chamado transpõe perfeitamente a descoberta do sufoco como parte da jornada e, dessa maneira, tanto “Airplane pt. 2” como as próximas duas canções se voltam com mais intencionalidade à sombra, como já discutimos anteriormente.
MV de "Airplane Pt.2"
“Fake Love” é a música perfeita para dar continuidade à sequência que tem se construído aqui. Observe estes versos:
“Eu quero ser um bom homem só para você
Eu dei o mundo só para você
Mudei tudo só para você
Agora não sei quem eu sou, quem é você?”
“Desejando que o amor seja perfeito por ele mesmo
Desejando que toda a minha fraqueza esteja escondida
Em um sonho que não pode se tornar realidade
Eu criei uma flor que não podia florescer”
A letra de “Fake Love” nunca deixa de chocar e surpreender. BTS está questionando sua própria identidade e o que eles têm apresentado diante do mundo. Eles chegam a uma conclusão, nomeando isso como um amor falso — não indicando que o amor entre os membros e o fandom seja falso ou que o amor deles pelo que fazem seja falso, mas sim indicando a exaustão de, tantas vezes, terem escondido aspectos sinceros e autênticos das suas personalidades devido à persona e à posição que ocupam — assim como nós experienciamos, muitas vezes, em nossos ambientes de trabalho, estudo, entre outros.
MV de "Fake Love"
A faixa seguinte, “Black Swan”, é onde a sombra toma conta da cena, desencadeando processos dolorosos porém necessários à reinvenção, como vimos na análise do álbum “Map of the Soul: 7”. A inserção dessa música aqui é também muito interessante, pois, além de um momento propício ao encontro individual com as nossas sombras, também temos enfrentado um período de sombra coletiva. A COVID-19 tem agido sobre o mundo como um “cisne negro”, uma vez que veio como uma completa surpresa trazendo um choque sobre os nossos modos de viver e ser nesse mundo. Já parou para pensar nessa percepção?
Em seguida, “ON”, como já vimos também anteriormente, é uma música de resiliência e de impulso. É uma pausa para a obtenção de energia e força a fim de não desistirmos e retornarmos à jornada de integração entre o consciente e o inconsciente.
“Lights”, agora, é uma novidade nessa nossa sequência. Antes de mais nada, dê uma olhada nesses versos:
“Eu não quero ouvir apenas músicas felizes
Vou enfrentar minha solidão, colorir minha vida
Perdendo e ganhando, mas ainda estou procurando algo hoje”
“Sim, eu acredito que as coisas vão mudar
Ninguém é perfeito
Mesmo este momento tem seu próprio significado
E estamos conectados pelo som”
“Estou desmoronando, eu posso ver que há luz dentro
O amanhecer chegará à mais escura das noites”
“Não importa o quão distante estejamos
Sua luz brilha em mim”
“Lights” traz uma mensagem de encorajamento, nos mostrando que os momentos de escuridão, por mais duros que sejam, são passageiros e que o caminho para o crescimento precisa atravessá-los. Além disso, essa música nos lembra que não estamos sozinhos em meio a tudo isso. Mesmo agora quando estamos, talvez mais do que nunca, separados, não estamos sozinhos. Não precisamos carregar o fardo sozinhos. Podemos ser as luzes uns dos outros e assim, mesmo separados, estamos juntos. Podemos encontrar apoio também uns nos outros para conseguirmos prosseguir nas nossas jornadas pessoais, internas ou externas.
MV de "Lights"
A 12ª faixa de “Map of the Soul: 7 ~ The Journey” é uma das composições mais deslumbrantes de Jungkook: “Your Eyes Tell”. Ah, como esperamos por essa música completa após ouvirmos alguns pequenos trechos no trailer do filme do qual ela compõe a trilha sonora, não é mesmo?
Primeiro, observe, particularmente, alguns versos cantados pelo Hobi. Veja:
“Sombras do passado continuam me perseguindo
Mas quanto mais tento escapar e lutar, mais isso segue”
Essa parte da letra nos recorda que não se pode escapar da sombra e dos momentos de escuridão. Quanto mais corremos apressadamente e irrefletidamente na direção da luz, mais a sombra se aproxima de nós por trás. É necessário, como pontuou o Dr. Stein, que nós nos viremos e a encaremos de frente, até porque não passamos por ela apenas uma vez na vida. O desenvolvimento psicológico, ou seja, a individuação é constante e, devido a isso, ficaremos vulneráveis e enfrentaremos esses processos de novo e de novo e de novo… E cada vez será diferente. Desses processos, resulta a progressiva reinvenção pessoal e integração entre todas as partes que compõem o que somos.
No entanto, “Your Eyes Tell” também traz, de certa forma, uma mensagem semelhante a “Lights” e acreditamos que seja esse o motivo da proximidade entre as duas faixas no álbum. Confira os seguintes versos:
“Para ser amado(a), para amar alguém, eu serei seus olhos
Para a aventura que temos pela frente
Até a escuridão que vemos é tão bonita
Por favor, acredite em mim
Olhando apenas diretamente para você
Então você não vai embora
Os olhos fixos são tão coloridos
Você me ensinou
Que um dia a tristeza nos levará juntos(as)”
Dessa forma, “Your Eyes Tell” também nos mostra que, mesmo em meio às circunstâncias difíceis ou mesmo que estejamos separados, ainda podemos estar juntos. Assim como podemos ser as luzes uns dos outros, podemos também ser os olhos uns dos outros, transformando até mesmo a escuridão em uma bela paisagem.
Performance de "Your Eyes Tell"
E chegamos finalmente à última música deste álbum: “OUTRO: The Journey”. Assim como “INTRO: Calling”, essa faixa também é essencialmente instrumental. Em seu apenas 1 minuto e 16 segundos de duração, a complexa melodia construída com várias camadas torna nítida a mensagem com que o BTS desejava encerrar “Map of the Soul: 7 ~ The Journey”: Haverá um amanhecer de novas possibilidades a medida em que sobrevivemos e vivemos em meio à jornada. Se embarcarmos nela e formos pacientes, podemos experimentar uma aventura sem precedentes.
É exatamente neste ponto em que o Dr. Stein traz no podcast um aspecto muito interessante sobre o título dessa faixa e sobre o título do próprio álbum: a diferença entre uma JORNADA e uma VIAGEM. Por exemplo, ao fazer uma viagem, geralmente se sai de um ponto A já tendo em mente o ponto B onde se deseja chegar. Assim, o viajante, com certeza, já teria também planejado o trajeto para que chegasse da forma mais rápida e eficiente possível ao seu destino, certo? Já a pessoa que se propõe a embarcar em uma jornada, deseja experienciar o caminho. Provavelmente, pararia, olharia as vistas em torno e descobriria o que existe, na verdade, entre os pontos A e B.
Assim, essa é a metáfora perfeita pois quando tratamos, sobretudo, a respeito da jornada interna de desenvolvimento psicológico, autoconhecimento e amor próprio, é essencial compreendermos que não se trata de uma breve viagem. Para experimentarmos desse mundo interior, não é possível ir direto de A para B.
Desse modo, “Map of the Soul: 7 ~ The Journey” veio a nós no momento ideal dentro da série “Map of the Soul”, pois este álbum traz tanto uma transição como uma retrospectiva. Uma transição porque, principalmente sob circunstâncias como as atuais, às vezes nos sentimos parados, empacados no mesmo lugar, não é verdade? Em meio à jornada, também é natural que, às vezes, nos sintamos assim. Porém, momentos de transição são igualmente importantes e necessários e podemos descobrir potencialidades dentro deles. E quando isso parecer ser uma tarefa muito difícil, podemos recorrer a uma retrospectiva, que é outro lado da moeda desse álbum. Devemos considerar como indispensável sempre trazermos à memória e relembrarmos tudo o que já passamos. Nós somos fortes. Isso será essencial na nossa caminhada para águas mais profundas, o que acreditamos que seja exatamente o plano traçado pelo BTS - seja lá o que ainda estiver por vir.
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