Ouvindo "Ma City": Aquela música do BTS [Weverse Magazine - 18/05/2021]
- efeitobts
- May 18, 2021
- 7 min read
*Tradução livre a partir de artigo original publicado em 18 de maio de 2021. Caso deseje visualizá-lo, acesse: https://magazine.weverse.io/article/view?lang=en&num=159
Ouvindo “Ma City”:
Aquela música do BTS

A música “Ma City” do álbum de 2015 do BTS, O Momento Mais Bonito da Vida Pt. 2, trata sobre as cidades natais dos membros. Ela está repleta de memórias e impressões de quatro cidades: Ilsan, Busan, Gwangju e Daegu. Ilsan tem o seu pequeno e aconchegante Lake Park (Parque do Lago), enquanto Busan tem uma vista para o mar que se estende até o horizonte sob o céu azul. Os membros também revelam o seu amor pelas suas cidades natais fazendo referência a times de beisebol profissional coreanos: Para j-hope, é "KIA", indicando os KIA Tigers. Já para SUGA, é o seu “sangue azul”, uma expressão que os fãs usam para mostrar seu orgulho pelo Samsung Lions.
Mesmo antes do lançamento de "Ma City", o grupo lançou outras músicas sobre as suas cidades natais, como "Paldogangsan", do álbum O!RUL8,2? do grupo, e "Where You From", de Skool Luv Affair. Se “Paldogangsan” descreve o grupo como indivíduos que vieram para Seul de diferentes regiões para formar uma única equipe (“De Seul a Gangwon, Gyeongsang-do / Chungcheong a Jeolla / Diga a eles que nós viemos”), “Where You From” alude sobre como cada membro, que cresceu em em um lugar diferente, ama a harmonia que eles têm quando se unem como um (“Eu sou de Busan e você de Gwangju / Mas nós somos iguais”). Já em "Ma City", a cidade natal de cada membro é um ponto de origem com o qual eles podem verificar as suas próprias identidades. Eles tinham “um grande sonho de ser cantores” e, na época em que gravaram a música, estavam “correndo para a música e para o palco de verdade”. Quando eles sentem que estão “correndo há muito tempo” assim, eles se perguntam “Where You From” ("De Onde Você É") e olham para trás, para as suas cidades: “Quando eu sinto que estou me perdendo / Nesse lugar, eu encontro o meu velho eu desbotado". As canções do BTS sobre as suas cidades natais também permitiram que, naqueles primeiros dias, eles se apresentassem, construíssem relacionamentos com outras pessoas e, consequentemente, explicassem quem são por meio da pergunta "De onde você é?".
De acordo com Adam Bradley, autor de "Livro das Rimas: A poética do hip hop", "os rappers criaram uma profecia autorrealizável: ao se orgulharem de onde vieram, eles deram ao local de onde vem um motivo para se orgulharem". Em seu livro, o crítico literário e professor de literatura inglesa descreve como os rappers do Brooklyn e do Queensbridge "geralmente começam dizendo de onde são". Ele escreve que isso "também se originou de uma fonte mais profunda e sustentável: o desejo de ter orgulho da sua comunidade, mesmo se - especialmente se - essa comunidade fosse denegrida por pessoas externas a ela". SUGA da mesma forma começa fazendo um rap autodepreciativo em “Ma City” (“Honestamente, não há muito sobre Daegu para se gabar”), mas isso na verdade o leva a colocar mais ênfase no orgulho que ele tem pela sua cidade natal (“Não há nada para me gabar, então eu não posso deixar de me sentir orgulhoso, certo?”). A situação da Coreia não é exatamente a mesma que Bradley descreve nos Estados Unidos, que ele diz refletir "rivalidades profundas entre os bairros de Nova York". Porém, de acordo com o Livro Anual de Cultura & Artes de 2015, publicado pelo Conselho de Artes da Coreia, a distribuição de atividades de arte cultural realizada por cada região em 2014, incluindo performances e exposições, era a seguinte: enquanto Seul foi fixada com cerca de 600 atividades, esse número foi de apenas 149,2 para Gyeonggi, 106,4 para Busan, 63,7 para Daegu e 47,1 para Gwangju. E aqui está a base para os membros do BTS terem deixado as suas cidades natais rumo a Seul em busca dos seus sonhos. Em comparação com outras áreas, Seul tem muito mais oportunidades de se realizar trabalhos culturais e artísticos. A letra do SUGA que diz "Meu nascimento em si mesmo é o orgulho de Daegu" serve tanto para expressar a sua confiança nas suas habilidades como rapper quanto para deixar o mundo fora de Daegu saber onde sua identidade está enraizada.
O uso intencional do dialeto pelo BTS em "Paldogangsan" e "Where You From" ilustra claramente a relação entre a identidade de uma pessoa, o local de nascimento e sua língua e linguagem. Ao usar dialetos, cada membro expressa a sua individualidade de maneiras que não seriam possíveis apenas com o "moderno dialeto de Seul, amplamente usado por indivíduos educados" (Regulamentos da Língua Padrão, parágrafo um). Ao mesmo tempo, eles estão mostrando como um idioma com características, porém, regionais distintas pode de fato se tornar uma abordagem de como nos entendemos. Em “Paldogangsan”, eles questionam “Gyeongsang-do é complicado? Quem disse?" para destacar o senso comum questionável de que as pessoas de Gyeongsang-do são inflexíveis e excêntricas. E a explosão dos versos de "Vamos lá, irmão, nós também temos isso" age como um lembrete de que existem áreas fora de Seul com os seus próprios modos característicos de falar e suas culturas. E, como é dito na letra, estamos "olhando para o mesmo céu" e "todo mundo é incrível" - em outras palavras, o orgulho da sua própria cidade se traduz em respeito pelas cidades natais de outras pessoas também. Isso está conectado à composição de “Where You From”, onde os meninos começam competindo pelo afeto dos ouvintes usando padrões de fala regionais, mas a música se torna uma demonstração de amor e harmonia (“Mesmo aqui em Seul, mesmo lá na Ilha de Jeju / Todo mundo está apaixonado”). Todos podem ser unidos pelo amor, mas isso começa respeitando a identidade única de cada um.
Mais do que uma simples referência à história e aos trágicos eventos que aconteceram em Gwangju, a letra do j-hope em “Ma City” - “Se vocês querem me ver, reúnam-se às 7:00 / Todos disquem 062-518” carrega um significado adicional. Ele menciona "7:00", uma expressão degradante usada principalmente em comunidades de extrema direita ao mencionarem a Revolta Democrática de 18 de maio. Ao denunciar a discriminação regional que ele e seus pares veem regularmente na internet, j-hope mostra que a Revolta não deve acabar como um evento histórico distante. Ao usar o dialeto da sua cidade natal dessa maneira, o simples ato de revelar “de onde você é” equivale a falar sobre história. Isso explica por que ele faz o seu rap com o sotaque de Jeolla-do mesmo morando em Seul. Quando j-hope apareceu no KBS News 9 em setembro do ano passado, ele disse “Ser capaz de contar as histórias que queremos através da música é em si uma grande honra como artistas. No meu caso, eu senti que era uma parte da história que nunca deveríamos esquecer. E eu achei que seria bom expressar isso através da minha música”, referindo-se à letra de“Ma City”. Na música, as pessoas que cresceram fora de Seul eliminam os preconceitos que podem ter umas sobre as outras ao permitirem que se saiba de onde são ("Venha para minha cidade / Dê uma boa olhada / Saiba como festejar"). O BTS encontrou uma maneira de festejarem juntos, mantendo a sua identidade pessoal com todas as suas qualidades especiais. É provavelmente por isso que “Ma City” começa com as palavras: “Onde quer que você more / Onde quer que eu more”: Não importa onde você more, você tem que se livrar do seu mal-entendido e da marginalização de outras regiões para ir e vir a outros lugares de “Ma City”.
Seis anos após o lançamento de “Ma City”, tantas coisas aconteceram como resultado da música que parece uma resposta direta da sociedade. Junto com a influência do grupo, as músicas do BTS estreitam a lacuna psicológica entre o ouvinte e várias regiões. A base de fãs do BTS, o ARMY, participa de "fan tours", visitando lugares como Daegu e Gwangju, e conduz campanhas de doação para causas sociais em várias regiões por meio da mídia social, incluindo projetos de construção e assistência infantil. Kim Yongman, porta-voz da Prefeitura de Gwangju, reconhece que “Gwangju é conhecida pela Revolta Democrática de 18 de maio e é verdade que havia um certo preconceito de que essa história dolorosa e suas vítimas poderiam dificultar a ideia de ter um tempo de diversão ao visitar aqui”, mas “é encorajador saber que pessoas de todo o mundo estão curiosas sobre o tteok-galbi de Gwangju”, ou hambúrgueres grelhados de costela. “Também é extraordinário que Gwangju, o lar da nossa voz, tenha se tornado tão conhecida pela música do BTS. Espero que as pessoas continuem a nos aceitar com o mesmo calor e gentileza.”
Músicas que despertam o interesse em outras regiões ajudam as pessoas a superarem as suas diferenças e encontrarem solidariedade umas com as outras. Em janeiro, uma fanbase mundial do BTS, a BTS Book Club (Clube de Livro do BTS), que tem mais de 30.000 seguidores, realizou uma discussão online depois da leitura de "Atos Humanos", de Han Kang. O romance explora a Revolta de Gwangju e as vidas daqueles que viveram depois dela. RM já havia recomendado esse livro no V LIVE. Uma tragédia como a Revolta, diz RG, uma das administradoras da fanbase, "já era familiar para alguns ARMYs e desconhecida para outros, mas quando eu testemunhei os motins no Capitólio dos Estados Unidos em janeiro, eu percebi que o que aconteceu em Gwangju poderia acontecer a qualquer hora, em qualquer lugar e com qualquer pessoa." Isso fez com que um ARMY se lembrasse de Omã, da Primavera Árabe de 2011, e fez com que outro ARMY se lembrasse das Filipinas na Revolução do Poder Popular que ocorreu em 1986. Os administradores da fanbase enfatizam que “mais uma vez, percebemos que é errado tratar um incidente como algo que apenas nós vivenciamos. E nós também passamos a apreciar ainda mais a forma como o BTS é ativo no apoio a causas sociais e a forma como agora nós mesmos também podemos apoiá-las. Isso não apenas nos ajudou a entendermos o contexto por trás da letra de ‘Ma City’, mas graças ao BTS, fomos capazes de ampliar a nossa visão do mundo”.
Aqueles que ouvem com atenção a mensagem de “Ma City” asseguram que a música continue viva. Esse é o poder dessa música: ela começa com uma exploração das cidades natais e, em seguida, conecta os ouvintes às histórias de todas as pessoas ao redor do mundo que também estão ouvindo.
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