Tradução livre a partir do artigo original publicado em 10 de dezembro de 2020. Caso deseje visualizá-lo, acesse: https://time.com/entertainer-of-the-year-2020-bts/
É final de outubro e SUGA está sentado em um sofá dedilhando um violão. Seus pés estão descalços, seus longos cabelos caindo sobre os olhos. Ele anda ao redor, testando acordes e murmurando baixinho para si mesmo, brincos de argola de prata brilhando na luz. “Comecei a aprender há alguns meses”, diz ele. É um momento íntimo, do tipo que você passaria com uma nova paquera em um dormitório da faculdade enquanto confessam ambições de rock star. Mas SUGA é um dos sete componentes da banda pop coreana BTS, o que significa que eu sou apenas uma entre milhões de fãs assistindo, saboreando o momento.
BTS não é apenas a maior banda de K-pop nas paradas. Eles se tornaram a maior banda do mundo - ponto final. Entre o lançamento de vários álbuns, quebrando todos os tipos de recordes e aparecendo nessas transmissões ao vivo extemporâneas em 2020, o BTS ascendeu ao zênite do estrelato pop. E eles fizeram isso em um ano definido por reveses, em que o mundo deu uma pausa e todos lutaram para manter suas conexões. Outras celebridades tentaram aproveitar os desafios deste ano; a maioria falhou. Mas os laços do BTS com a sua base de fãs internacional, chamada ARMY, se aprofundaram em meio à pandemia, ao reconhecimento de questões raciais a nível global e a paralisações mundiais. “Há momentos em que ainda fico surpreso com todas as coisas inimagináveis que estão acontecendo”, SUGA disse à TIME. “Mas eu me pergunto: quem vai fazer isso, senão nós?”
Hoje, o K-pop é um negócio multibilionário, mas por décadas os guardiões do mundo da música - magnatas da rádio ocidental, meios de comunicação e analistas de números - o trataram como uma novidade. O BTS atinge as esperadas notas altas do K-pop tradicional: roupas fortes, coreografias vivas e vídeos deslumbrantes. Mas eles combinaram esse brilho de superstar com um nível surpreendente de honestidade sobre o trabalho árduo que envolve isso. O BTS atende às demandas da era da autenticidade do Top 40 sem sacrificar o brilho que tornou o K-pop uma força cultural. Não dói admitir que suas canções são irresistíveis: confecções polidas que são densas com ganchos e se encaixam confortavelmente em qualquer playlist de mainstream.
O BTS não é a primeira banda coreana a estabelecer uma base segura no Ocidente, mas seu sucesso descomunal hoje é indicativo de uma mudança radical no funcionamento interno do fandom e em como a música é consumida. De impulsionar sua gravadora a uma avaliação de IPO de US$7,5 bilhões a inspirar fãs a igualar sua doação de US$1 milhão para o Black Lives Matter, o BTS é um estudo de caso sobre o domínio da indústria musical através da conexão humana. Depois que SUGA dominar o violão, não haverá muito mais para eles conquistarem.
Em um universo alternativo onde a COVID-19 não existisse, o 2020 do BTS provavelmente teria se parecido com os anos anteriores. O grupo começou em 2010, depois que o idealizador do K-pop e fundador da Big Hit Entertainment, Bang Si-hyuk, recrutou RM, de 26 anos, da cena de rap underground de Seul. Ele logo foi acompanhado por Jin, de 28 anos; SUGA, de 27 anos; j-hope, de 26 anos; Jimin, de 25 anos; V, de 24 anos; e Jung Kook, de 23 anos, selecionados por seus talentos de dança, rap e canto.
Mas, ao contrário de seus pares, o BTS tinha uma tendência antiestabelecimento, tanto em seu ativismo quanto na forma como contribuíam para a composição e produção - o que era raro no K-pop, embora isso tenha começado a mudar. No single de estreia do BTS em 2013, "No More Dream", eles criticaram as pressões sociais coreanas, como as altas expectativas colocadas sobre os alunos. Eles foram abertos sobre seus próprios desafios com a saúde mental e falaram publicamente sobre seu apoio aos direitos LGBTQ+ (O casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não é legalmente reconhecido na Coreia do Sul). E eles modelaram uma forma de masculinidade mais suave e neutra, seja pintando o cabelo em tons pastéis ou passando os braços amorosamente uns sobre os outros. Tudo isso os tornou únicos não apenas no K-pop, mas também no mercado pop global.
Em março, o BTS estava se preparando para uma turnê global. Em vez disso, eles ficaram em Seul para esperar o fim da pandemia. Para o grupo, a vida não parecia muito diferente: “Sempre passamos 30 dias por mês juntos, 10 horas por dia”, diz Jin. Mas com seus planos destruídos, eles tiveram que dar um giro. Em agosto, o BTS lançou um single em inglês, "Dynamite", que liderou as paradas nos EUA - a primeira de um ato totalmente coreano. Com seu álbum mais recente este ano, BE, eles se tornaram a primeira banda da história a estrear uma música e um álbum em primeiro lugar nas paradas da Billboard na mesma semana. “Nunca esperávamos lançar outro álbum”, diz RM. “A vida é uma troca.”
Seus triunfos neste ano não foram apenas acerca da música. Em outubro, eles apresentaram talvez o maior show virtual com ingressos de todos os tempos, vendendo quase um milhão de ingressos para o evento de duas noites. Sua empresa de gestão abriu o capital na Coréia, transformando Bang em um bilionário e cada um dos membros em milionários, uma raridade em uma indústria onde os espólios geralmente vão para os distribuidores, não para os criadores. E eles foram finalmente recompensados com uma indicação ao Grammy. No YouTube, onde a Big Hit Labels é uma das 10 contas de música mais assinadas (com mais de 13 bilhões de visualizações até este ano), a única competição real são eles próprios, diz o gerente de tendências musicais do YouTube, Kevin Meenan. O vídeo “Dynamite” acumulou 101 milhões de visualizações em menos de 24 horas, uma novidade para a plataforma. “Eles bateram todos os seus próprios recordes”, diz ele.
Não que a glória venha sem desvantagens: a saber, a falta de tempo livre. É quase meia-noite em Seul no final de novembro e o BTS - com exceção de SUGA que está se recuperando de uma cirurgia no ombro - está se encaixando em outra entrevista, desta vez apenas comigo. V, Jimin e j-hope espontaneamente começaram a cantar enquanto discutiam o próximo aniversário que estava chegando, o de Jin. “Amor, amor, amor”, eles se harmonizam, fazendo bom uso do refrão dos Beatles e voltando-se para o colega de banda, cruzando os dedos na versão coreana do símbolo do coração.
As comparações com aquele grupo que definiu uma época são inevitáveis. “A diferença é que nós somos sete e também dançamos”, diz V. “É meio clichê quando grandes boy bands estão crescendo: 'Oh, há outro Beatles!’”, diz RM. Já entrevistei o BTS cinco vezes e, em cada interação, eles são educados ao extremo. Mas agora eles devem estar cansados de revisitar essas comparações, assim como devem estar cansados de explicar o seu sucesso. RM diz que é uma mistura de sorte, sincronia de tempo e humor. “Não tenho 100% de certeza”, diz ele.
Eles amadureceram e se tornaram celebridades inteligentes: focados e cautelosos, eles estão mais prontos para as perguntas e mais hesitantes para fazer grandes declarações. Quando você pergunta ao BTS sobre seu ano histórico, eles não estão exatamente tagarelantes; j-hope ironicamente chama esse ano de "montanha-russa". “Mer-as acontecem”, diz RM. “Foi um ano em que lutamos muito”, diz Jimin. Normalmente um ele é um showman, mas neste momento ele parece mais introspectivo do que o normal. “Pode parecer que estamos indo bem externamente com os números, mas nós mesmos passamos por um momento difícil”, diz ele. Para um grupo cujo propósito é verdadeiramente definido por seus fãs, a falta de interação humana tem sido sufocante. Ainda assim, eles fizeram questão de representar otimismo. “Sempre quis me tornar um artista que pudesse proporcionar conforto, alívio e energia positiva às pessoas”, diz j-hope. “Essa intenção se harmonizou com a sinceridade do nosso grupo e nos levou a ser quem somos hoje.”
Em uma era marcada por tanta angústia e cinismo, o BTS manteve-se fiel à sua mensagem de bondade, conexão e autoaceitação. Essa é a base de seu relacionamento com os fãs. A filósofa e autora sul-coreana, Dra. Jiyoung Lee, descreve a paixão do fandom do BTS como um fenômeno chamado "horizontalidade", uma troca mútua entre artistas e seus fãs. Ao contrário da instrução de cima para baixo de um ícone para seus seguidores, o BTS construiu uma verdadeira comunidade. “Nós e nossos fãs somos uma grande influência uns para os outros”, diz j-hope. “Aprendemos isso através do processo de fazer música e receber feedback.” O fandom do BTS não se trata apenas de garantir a primazia da banda, mas também de estender a mensagem de positividade da banda para o mundo. “BTS e ARMY são um símbolo de mudança no zeitgeist (um termo alemão cuja tradução significa espírito da época), não apenas de mudança de geração”, diz Lee.
E em junho, o BTS se tornou um símbolo do ativismo juvenil em todo o mundo depois de doar US$ 1 milhão para o movimento Black Lives Matter em meio a grandes protestos nos EUA (eles têm um longo histórico de apoio a iniciativas como a UNICEF e programas escolares). O BTS diz que isso era simplesmente em apoio aos direitos humanos. “Isso não foi política. Estava relacionado ao racismo”, diz Jin. “Acreditamos que todos merecem ser respeitados. É por isso que tomamos essa decisão.”
Isso provou ser significativo para fãs como Yassin Adam, de 20 anos, um ARMY da Geórgia que dirige contas de mídia social populares voltadas ao BTS que compartilham notícias e atualizações e que é negro. “Isso trará mais consciência sobre esse problema que pessoas como eu enfrentam neste país”, diz ele. “Eu me vejo neles ou pelo menos uma versão de mim mesmo.” Em maio e junho, uma ampla coalizão de fãs de K-pop ganhou as manchetes por interferir em um aplicativo da polícia e comprar ingressos para um comício da campanha de Trump, esgotando o comparecimento pessoal. Mais tarde naquele verão, o esforço de arrecadação de fundos do ARMY correspondeu à doação de US$ 1 milhão do BTS para o Black Lives Matter em 24 horas.
Já para Nicole Santero, de 28 anos, que é asiático-americana, o sucesso do BTS nos EUA também é um triunfo de representação: “Nunca vi pessoas como eu em um patamar tão popular”, diz Santero. Ela está escrevendo sua dissertação de doutorado sobre a cultura do fandom do BTS e administra uma conta popular no Twitter que analisa e compartilha dados do BTS. “Sempre que estou acordada, estou fazendo algo relacionado ao BTS”, diz ela. “Este é um tipo de amor mais profundo.”
Uma devoção como essa é um motivo de orgulho para o BTS, principalmente em um ano em que tantas coisas parecem incertas. “Não temos certeza se realmente conquistamos respeito”, diz RM. “Mas uma coisa certa é que [as pessoas] sentem, ok, isso não é apenas um tipo de síndrome, um fenômeno.” Ele procura as palavras certas. “Esses meninos da Coreia realmente estão fazendo isso.”
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